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07/06/2024 às 11h35min - Atualizada em 07/06/2024 às 11h35min

Brasil é grande importador de 'lixo'? Entenda como o descarte incorreto de resíduos dá esse título ao país

Para frear essa prática e estimular o mercado interno, governo aumentou a alíquota de importação para 18%; para especialistas, medida é insuficiente

Redação North News
com informações CNN
© Crédito: Dandora, Duncan Moore/UNEP
 
Menos de um ano após o governo ter aumentado a alíquota de importação para resíduos de papel, plástico e vidro, especialistas avaliam que a medida tem sido insuficiente para frear a compra de “lixo” estrangeiro para reciclagem e uso no Brasil.

“A alíquota deveria ser de 100%. Não faz sentido importar plástico, papel e vidro, porque são os materiais mais reciclados pelas cooperativas. Nosso sistema é consolidado há anos, seja na separação, na qualificação ou em outras etapas”, afirma Carlos Alberto Mendes Moraes, membro da Aliança Resíduo Zero Brasil e professor da Unisinos-RS.

Para ele, além do aumento do imposto, é preciso apoio do poder público e das empresas. “É a chamada responsabilidade estendida do produto e responsabilidade compartilhada. Pega toda a cadeia produtiva. Falta reconhecimento de que o catador e as cooperativas precisam ser pagos por prestar esse serviço ambiental”, ressalta.

Em agosto do ano passado, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) — presidida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) — decidiu unificar e elevar para 18% as alíquotas do imposto de importação cobradas sobre a entrada no Brasil de resíduos de papel, plástico e vidro.

As alíquotas para resíduos de papel e vidro estavam estabelecidas em zero. Já no caso das importações de resíduos plásticos, a tarifa aplicada era de 11,2%.

Um levantamento feito pelo grupo de trabalho criado para tratar do tema, no âmbito da Presidência da República, indicou crescimento das importações brasileiras desse tipo de resíduos entre 2019 e 2022.

Nesse período, as compras externas de lixo em forma de papel e vidro subiram respectivamente 109,4% e 73,3%, ao passo que as operações envolvendo o ingresso no país de resíduos plásticos apresentaram elevação de 7,2%.

No caso do papel comum para reciclagem, o Brasil importou aproximadamente 25 mil toneladas no ano passado. A maior parte vem dos Estados Unidos e do Uruguai, de acordo com o sistema oficial de estatísticas do comércio exterior, o Comex Stat.

No caso do vidro, as importações foram realizadas a partir de quatro países em 2023, totalizando quase 21 mil toneladas. E as garrafas e frascos de plástico somaram 110 mil toneladas. Nesses casos, os materiais não são classificados como resíduos, porque também chegam em forma de matéria-prima para uso.

Impacto econômico, ambiental e social
O Brasil é o quarto maior produtor de resíduos de plástico do mundo. Apesar disso, apenas 23,4% desse tipo de “lixo” é reciclado. A informação é do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) — movimento que reúne empresas de diversos setores.

Essa distorção, atribuída à baixa capacidade de separação e destinação dos resíduos, tem gerado implicações econômicas, ambientais e sociais.

O aumento das importações de resíduos sólidos tem o potencial de afetar o preço de venda dos materiais recicláveis comercializados pelos catadores no Brasil, que acabam deixando a atividade.

Com isso, além das consequências sociais indesejáveis, são verificados impactos negativos no meio ambiente pelo aumento do depósito de resíduos em aterros e lixões, prejudicando o trabalho desenvolvido para a recuperação dos materiais recicláveis e reutilizáveis gerados localmente.

“É necessário investir e melhorar a tecnologia. Acho que precisamos buscar tecnologias mais eficientes para os catadores, para que a gente tenha mais eficiência na triagem dos materiais. E ainda acho essencial que os catadores sejam remunerados pelo trabalho que prestam”, alega o presidente da Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis, Roberto Rocha.

Para ele, por falta de investimentos, a matéria-prima virgem acaba sendo mais vantajosa nos valores do que a reciclável. “A competição é desigual”, completa.

“Isso é muito ruim, pois a matéria-prima vem da exploração de recursos naturais. E num momento de impactos ambientais muito sérios que nós estamos assistindo no Brasil e no mundo”, afirma o presidente.

Em apenas uma década, a geração de lixo no Brasil cresceu 11%. Ou seja, em 2010 o país gerava, anualmente, 71 milhões de toneladas e, em 2020, o valor passava de 79 milhões.

Apenas 53% é destinado para aterros sanitários, enquanto o restante sequer foi coletado ou foi disposto em lixões e aterros irregulares, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Para especialistas, o Brasil tem dificuldades para implementar uma política de reciclagem, o que contribui para o descarte incorreto de lixo.

Conforme Luciano Bravo, que atua no setor de crédito internacional, é necessário que o governo crie um programa que promova a liberação de crédito para implementação de processos de reciclagem.

“O Brasil precisa ter uma melhor cobrança da privatização dos aterros. É preciso ter leis mais severas que implantem dentro do aterro o processo de separação”, diz.

Bravo afirmou ainda que a barreira cultural é uma dificuldade enfrentada pelo Brasil na separação de lixo.

“Como não temos processo de reciclagem adequado, culturalmente o brasileiro não tem o costume de separar o lixo porque ele sabe que no final acaba tudo indo para o mesmo aterro ou lixão”, complementa.

Apesar dos 13 anos de vigência da Política Nacional de Resíduos Sólidos e dos três anos desde a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento, os avanços na manipulação de lixo no Brasil têm sido limitados, aponta o relatório Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).

O documento também estima que o brasileiro tenha gerado uma média de 1,04 kg de resíduos sólidos urbanos por dia em 2022, o que corresponde a 77,1 milhões de toneladas geradas no país durante o ano.

Projeto parado na Câmara poderia ajudar
O projeto que cria a Política Nacional de Economia Circular é visto como alternativa para estimular o tratamento e reciclagem de resíduos no país. No entanto, a proposta encontra-se parada na Câmara dos Deputados.

A economia circular busca reduzir o desperdício e maximizar recursos, reciclando e reutilizando materiais em todas as etapas do ciclo de vida dos produtos.

A Política Nacional de Economia Circular prevê, entre outros pontos, conscientizar a sociedade sobre o uso dos recursos naturais; estimular a pesquisa e a adoção de soluções em economia circular; e promover a gestão estratégica, o mapeamento e o rastreamento dos estoques e fluxos dos recursos no território nacional.

O projeto também prevê a adoção de compras públicas sustentáveis; o financiamento de pesquisa e a promoção de processos destinados à adoção da circularidade; o estímulo ao direito dos consumidores de repararem seus produtos; a criação de incentivos fiscais; e a conscientização da sociedade quanto à utilização do potencial de vida útil dos produtos.

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