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14/06/2022 às 13h55min - Atualizada em 14/06/2022 às 13h55min

Ainda há esperança

O servidor da Funai, Bruno Araújo Pereira, desaparecido no Vale do Javari, na Amazônia. vinha recebendo ameaças de invasores

Leandro Mendonça
Daniel Marenco/ O Globo

Sentado no meio da floresta e entoando um cântico indígena. Imagens do servidor da Funai Bruno de Araújo Pereira cantando no idioma Kanamari, sorridente na mata que foi seu ambiente de trabalho durante anos, tem levado emoção às redes sociais, que acompanham atentamente as buscas pelo indigenista e pelo jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do "The Guardian".

Os dois desapareceram no domingo no Território Indígena Vale do Javari, no Amazonas. Há uma grande curiosidade sobre a letra da música por parte das pessoas que assistem ao vídeo.

Poucos entendem a língua dos Kanamari, que chamam a si mesmos de Tukuna, vivem em sua maioria no alto-médio Rio Juruá. Também se espalham pelas proximidades do alto do Itaquaí, afluente do Javari, e também no médio Javari e no Japurá, nas proximidades da área em que a força-tarefa concentra os trabalhos para tentar localizar os dois amigos.

Os Kanamari guardam fortes raízes mitológicas. Eles acreditam viver num mundo que em que o sapo Piyoyom atirou uma flecha no céu antigo, que era muito baixo, bem acima da cabeça das pessoas e o despedaçou. Assim, os vestígios do Céu que vieram abaixo criaram a floresta e o chão em que pisamos. Por trás do Céu Antigo surgiu o Céu Novo (Kodoh Aboawa), que fica muito longe da terra.

Eliésio Morubo dá mais detalhes sobre o momento captado de Bruno junto a uma equipe que, de acordo com ele, participava de uma grande expedição, ocorrida em 2019.

"O Bruno estava numa expedição e gostava de tomar ayahuasca com os Kanamari. Aquele canto é um canto que os Kanamari cantam num ritual de ayahuasca. Ele estava numa expedição longa e as equipes da expedição estavam muito cansadas, os Korubos estavam com saudade da família e ele tirou a ideia de cantar para todos da expedição", conta o Procurador.

"Tinha Marubo, tinha Kanamari, tinha Korubo e tinha não indígenas, entre os quais, o Dom Phillips. Ele fez aquilo para acalmar a equipe dele. Ele tinha a responsabilidade de conduzir uma expedição longa, difícil e ele achou que daquele jeito ele iria acalmar a todos", conclui.

Num trecho, é possível ouvir Bruno mencionar marinawá, antigo povo indígena que ficava na fronteira do Peru. Em dado momento, o servidor brinca com os indígenas que estão por perto e os chama para cantar juntos: "Agora...", brinca ele, conduzindo todos para o que parece ser o refrão da música. Fumando um cigarro de palha, ele termina, visivelmente bem-humorado.

De acordo com pessoas próximas, a gravação teria sido feita por Phillips, que já tinha acompanhado Bruno em outras expedições na região do Vale do Javari. O correspondente estrangeiro era especializado em meio ambiente e escrevia o livro "Como salvar a Amazônia", ainda em fase de produção.

Os dois estavam juntos no Vale do Javari quando desapareceram ao partirem de barco da comunidade ribeirinha de São Rafael rumo a Atalaia do Norte. Bruno foi exonerado de cargo de coordenador da Funai na região, a que concentra o maior número de indígenas isolados do mundo, em 2019. Lá, estão identificadas cerca de 26 etnias, a maioria de tribos isoladas ou de recente contato.

 

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