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24/02/2023 às 09h42min - Atualizada em 24/02/2023 às 09h42min

Guerra na Ucrânia: um ano da sangrenta aventura de Putin sem fim à vista

Quais as consequências do conflito para o mundo?

Redação North News
com informações CNN
The Sunday Times
 
Um ano depois da invasão da Ucrânia, o mundo continua em busca de uma resposta para a pergunta: uma potência nuclear pode anexar o território de outro país impunemente?

O desfecho da sangrenta aventura de Vladimir Putin tem consequências não só para a Ucrânia, ou para outros países antes pertencentes à União Soviética e ao Império Russo, mas também para Taiwan e demais territórios cobiçados pela China e por outras potências nucleares.

Em razão do autoritarismo e da ideologia conservadora abraçada por Putin, a invasão também impôs um segundo dilema: até que ponto o Ocidente está disposto a defender a democracia e os valores liberais, ameaçados com a tentativa russa de subjugar a Ucrânia?

O custo tem vindo na forma de inflação de energia, causada pelas sanções contra o gás russo, e da ajuda humanitária e militar à Ucrânia, que somou US$100 bilhões em 2022, e deve acrescentar valor igual ou maior este ano.

Putin fez referência às duas questões em seu discurso sobre o Estado da União para o Parlamento russo, na última terça-feira, feito para marcar o aniversário da invasão.

Fora do acordo de controle de armas nucleares
O ditador suspendeu a participação da Rússia no último acordo de controle de armas nucleares ainda vigente entre ela e os Estados Unidos, o Novo Start. Firmado em 2010, o acordo limita em 1.550 o número de ogivas e em 800 o de mísseis, e prevê a realização de 18 inspeções recíprocas das instalações nucleares americanas e russas.

Na prática, não muda muita coisa: nenhuma inspeção foi feita no ano passado, e o regime estava prejudicado desde o início da pandemia, em 2020. Mas a suspensão reforça a chantagem nuclear de Putin, no sentido de negar informações aos americanos sobre o estado de prontidão de seu arsenal estratégico.

Putin repetiu sua premonição de que “a Rússia não pode ser derrotada”.

Há um ano, no primeiro discurso logo depois de lançar a invasão, Putin ameaçou: “Quem quer que tentar se interpor no nosso caminho ou mais ainda criar ameaças para nosso país e nosso povo deve saber que a Rússia responderá imediatamente, e as consequências serão tais que vocês nunca viram em toda a sua história”.

Desde então, com formulações diversas, e com inspeções do estado de prontidão do arsenal nuclear, Putin tem mantido a ameaça nuclear presente.

Essa ameaça apareceu a cada momento em que o Ocidente deliberava sobre os pedidos de armas mais pesadas e sofisticadas da Ucrânia. A ajuda começou com drones e foguetes portáteis, evoluindo para canhões, baterias antiaéreas, blindados, mísseis de mais longo alcance e, finalmente, tanques de batalha.

Em cada uma dessas etapas qualitativas, os 54 países que formam o chamado Grupo de Contato de Ramstein, liderado pelos Estados Unidos e pela Otan, cruzaram linhas vermelhas desenhadas por Putin, sem que a ameaça nuclear se materializasse.

A discussão agora é em torno do pedido de caças, especificamente os F-16 americanos, que muitos dos 30 países membros da Otan possuem. A Polônia, que por sua história e situação geográfica se sente vulnerável ao expansionismo russo, tem defendido abertamente o envio dos aviões.

Mais uma vez, os aliados resistem, por receio de serem responsabilizados por uma “escalada”, um outro nome para um ataque nuclear russo, que desencadearia o envolvimento direto da Otan, por causa das repercussões do uso de armas de destruição maciça nas vizinhanças dos aliados europeus.

Coleção de 'insucessos'
A cartada nuclear se torna cada vez mais a única opção de Putin conforme ele vai colecionando insucessos no terreno.

A suposta grande ofensiva russa esperada para o final do inverno setentrional, ou seja, de agora até o fim de março, está se mostrando um fiasco. A grande concentração de tropas russas na fronteira, temida pela inteligência militar ucraniana, simplesmente não aconteceu. E se a tática era uma ofensiva gradual, também não tem surtido efeito.

Centenas de soldados russos e ucranianos morrem todos os dias no front, sobretudo em Bakhmut e em Vuhledar, no leste da Ucrânia, mas o avanço russo, quando ocorre, tem sido, literalmente, de metros. Desde meados do ano passado a Rússia não toma nenhuma cidade ucraniana.

As Forças Armadas ucranianas têm pagado um alto preço, em perdas humanas e de munição, para defender essas duas cidades, não por seu valor operacional e tático, que é muito pequeno. Mas porque perceberam a decisão de Putin de tomá-las a qualquer custo para ter alguma vitória a apresentar precisamente agora, no aniversário da invasão.

Esse “a qualquer custo” representou uma oportunidade de impor pesadas perdas aos invasores, e foi o que aconteceu. A título de exemplo, em Vuhledar, segundo a inteligência britânica, a 155.ª Brigada de Infantaria Naval russa se tornou inoperante em razão das baixas sofridas. Uma brigada reúne 5 mil soldados, e essa era uma formação de elite. As mortes de seus integrantes atingiram a média de 300 por dia.

Em Bakhmut, além da média de 724 mortes por dia, os insucessos da campanha causaram também um dano político para os russos.

O Grupo Wagner, uma empresa privada de mercenários cujo proprietário, Yevgeny Prigozhin, é muito próximo de Putin, de quem foi cozinheiro, está à frente da campanha. Prigozhin e o comando das Forças Armadas regulares russas passaram a disputar os méritos de uma eventual tomada da cidade cercada por três flancos. Prigozhin acusou publicamente o Ministério da Defesa de privar os mercenários de munição.

A energia gasta nessas disputas políticas, aliada à falta de munição, de armas e de militares bem treinados e com moral elevado, certamente ajuda a explicar a ausência de resultados no terreno. O oposto a quase tudo isso pode ser dito dos ucranianos, treinados e equipados pela Otan e lutando até a morte para defender seu próprio país. O ponto em comum é a falta de munição.

O fato é que nenhum país está atualmente preparado para uma guerra tão prolongada, de maneira que criar as condições para fabricar munição e armas para fornecer à Ucrânia é uma das discussões centrais na Otan. A Rússia, de sua parte, tem comprado drones e mísseis do Irã. A Coreia do Norte tem fornecido foguetes e mísseis para o Grupo Wagner e munição para as Forças Armadas regulares russas, segundo a Casa Branca.

Desespero russo?
Putin tem pedido apoio militar também da China, que até agora tem evitado se envolver para além da compra de petróleo e gás russos. A visita de Wang Yi, o chefe da diplomacia chinesa, a Moscou, na quarta-feira, foi mais um capítulo nessas tratativas. Os EUA e a Europa têm pressionado a China a não dar esse passo.

Em outros tempos, Wang Yi se reuniria apenas com o chanceler russo, Sergey Lavrov, seu equivalente na hierarquia dos dois governos.

O fato de ele ter sido recebido por Putin, e ainda por cima em uma mesa pequena, e não naquela mesa de 6 metros que costuma usar, mostra duas coisas: a assimetria criada entre os dois países a partir da invasão da Ucrânia, que transformou a Rússia num fornecedor de matérias-primas para a China, e o desespero do líder russo.

Há uma análise de que as gestões dos Estados Unidos e dos principais governos europeus perante a cúpula chinesa têm se concentrado em convencer a China a advertir Putin a não empregar armas nucleares.

Essa seria a condição ocidental para não adotar represálias contra a China por seu apoio econômico e político à Rússia. Até que ponto isso pode funcionar, na medida em que Putin sentir uma eventual derrota na Ucrânia como ameaça existencial, é uma incógnita.

Três semanas antes de invadir a Ucrânia, Putin firmou com Xi Jinping em Pequim uma declaração conjunta de “amizade sem limites”. Mas é óbvio que ela tem limites, e Putin sabe disso. Para a China, fortemente dependente de exportações, não interessa a desestabilização da economia mundial. E nem se ver associada a uma potência nuclear imperialista.

Por outro lado, no contexto geopolítico, interessaria, sim, à China, o estresse na coesão dos aliados do Ocidente, aí incluídos adversários como Japão, Coreia do Sul e Austrália, que se imaginava que a invasão da Ucrânia poderia causar. Mas não causou. Ao contrário, sedimentou essa coesão.

Por último, a invasão reforçou a divisão entre democracias liberais, de um lado, representadas pela Ucrânia, e autocracias conservadoras, de outro, personificadas em Putin. No discurso, o ditador russo afirmou que o Ocidente está desafiando o conceito de que uma família deve ser, na visão dele, formada por um homem e uma mulher.

E foi mais longe: “A Igreja Anglicana está considerando uma versão de um Deus de gênero neutro. Eles não sabem o que estão fazendo”. A partir da intensificação dos protestos pró-democracia em 2011, Putin se aliou à Igreja Ortodoxa Russa e adotou esse discurso, que se materializou em leis aprovadas no Parlamento contra adoção de crianças por casais do mesmo sexo.

Essas posições, por outro lado, reforçam a clivagem cultural entre as autocracias e as democracias, e servem de incentivo para a opinião pública do Ocidente, em seu enorme sacrifício econômico em apoiar a Ucrânia.

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