Analista do IBGE destaca um problema estrutural e cíclico dentro das empresas. Foto: CoWomen/Unsplash
O mercado de trabalho brasileiro segue desigual para as mulheres, com menores salários e participação, mesmo que a escolarização feminina seja superior à masculina.
É o que aponta uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (8), o Dia Internacional da Mulher.
Os dados — referentes a 2022 — apontam que 53,3% das mulheres participam da força de trabalho. Enquanto isso, a taxa masculina é de 73,2%.
Dentro do mercado de trabalho, o problema vai mais a fundo. Conforme o instituto, do total de pessoas em cargos gerenciais, 60,7% eram homens e 39,3% mulheres.
Os dados do IBGE também mostram diferença entre salários para esta mesma função. Em 2022, mulheres em cargo de gerência tiveram rendimento médio de R$ 6.600, 21,2% abaixo do que os homens ganharam (R$ 8.378).
“Tem setores em que a taxa de ocupação [feminina] em cargos de gerência é baixíssima. Tem vários elementos que explicam isso, desde a dificuldade de contratação até o forte preconceito de empresas em relação a mulheres que têm filhos”, afirma o analista socioeconômico do IBGE, Jefferson Mariano.
E as oportunidades são desiguais para o público feminino, mesmo com capacitação. O levantamento aponta que, do total de formandos em cursos de graduação presencial, 60,3% eram mulheres, enquanto 39,7% homens.
Em nível de instrução, o público feminino também supera o masculino. Enquanto 21,3% das mulheres concluem o ensino superior, 16,8% dos homens o fazem.
A discrepância fica ainda mais evidente diante do recorte racial:
Lina Nakata, especialista em mercado de trabalho e responsável pela pesquisa Lugares Incríveis para Trabalhar, destaca que há diferença na forma que mulheres e homens são vistos na busca por promoções de cargos.
“Muitas vezes, quando uma mulher é avaliada para um passo seguinte na carreira, os outros que avaliam costumam pensar ‘falta mais uma competência ou habilidade, vamos esperar’; enquanto para os homens, esses avaliadores costumam pensar ‘falta essa competência ou habilidade, mas ele consegue se virar e se adaptar'”, explica.
O ponto é reforçado por Manu Pelleteiro, especialista em gestão com pessoas.
“A falta de representatividade feminina, infelizmente, em pleno 2024, ainda é vista como algo natural em muitas empresas. Além disso, faltam iniciativas que valorizem o crescimento das profissionais desde a base.
Mariano aponta para um problema estrutural e cíclico, uma vez que a ausência das mulheres nesses espaços de poder atrasa uma agenda por renovação nas empresas.
“A despeito da escolaridade mais elevada, as mulheres acabam não conseguindo ocupar posições menos precarizadas no mercado de trabalho e acabam atuando em setores que tem essa característica de menor nível de rendimento”, explica Mariano, do IBGE.
Trabalho precarizado A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o trabalho parcial como aquele cujas horas de expediente são comparativamente menores do que a dos em tempo integral (no Brasil definido em 30 horas semanais).
Outro dado que o IBGE que revela a precarização do trabalho feminino é o de mulheres ocupadas em trabalho parcial. A taxa (27,9%) é quase o dobro da de homens (14,25%).
Trabalho de cuidado Problemática debatida na redação do último Enem, as atividades de cuidados de pessoas e afazeres domésticos tomaram o dobro do tempo das mulheres do que dos homens em 2022.
Para Nakata, o fato de ainda ser atribuído à mulher um papel de cuidado da família faz o planejamento profissional ficar em segundo plano.
“Ainda há dificuldades de conciliar os vários papéis que são cobrados pelo trabalho do cuidado, que é invisível e não remunerado. E esse trabalho de tempo parcial, ou mesmo informal, é o que acaba se encaixando na jornada do trabalho feminino.”
A economista Vivian Almeida ainda pontua que o avanço na carreira tem forte relação com a disponibilidade em se dedicar na atividade que atua, e como os afazeres doméstico acabam se tornando um empecilho para as mulheres neste contexto.
“Isso é incompatível com uma jornada doméstica com cuidado de crianças, com cuidados de pessoas que dependam de outras para sobreviver. Então ainda que a gente tenha mais escolaridade, ainda que a gente se qualifique, há uma restrição física”, explica.
“Não é algo que a gente deseje ou busque, mas é algo que se impõe como uma realidade.”
Na pesquisa, o IBGE também destaca o fato de que a presença de crianças de até 6 anos na família afeta o trabalho das pessoas de maneiras diferentes.
Enquanto a tendência é de os homens trabalharem quando há crianças no domicílio, as mulheres tendem a deixar o mercado de trabalho.
Segundo Manu Pelleteiro, as empresas começam a questionar funcionárias sobre a possibilidade de engravidarem por volta dos 30 anos, momento em que estão no auge da carreira.
“Algumas empresas vão preferir promover um homem que pretende ser pai no lugar de promover uma mulher, com a mesma qualificação, mas que pretende ser mãe”, explica Pelleteiro.
Para que o cenário se torne mais igualitário, Lina Nakata reforça a necessidade de conscientização do público e a formulação de políticas públicas.
“As mudanças ainda serão lentas, pois o trabalho de cuidado faz parte da cultura de uma sociedade. Ações afirmativas, leis e várias outras práticas são possíveis de serem criadas para melhorar esse cenário. A educação de crianças pode fazer a diferença”, conclui.