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01/03/2024 às 05h05min - Atualizada em 01/03/2024 às 04h57min

Os 30 anos do Plano Real

Paulo Galvão Júnior (*) & Luiz Alberto Machado (**)

Paulo Galvão Jr.

Paulo Galvão Jr.

Economista, escritor, palestrante, professor de Economia no UNIESP, autor de 12 eBooks de Economia pela Editora UNIESP e Conselheiro do CORECON-PB.

1. Considerações iniciais
 
É preciso sempre debater os destinos econômicos, sociais e ambientais de nosso emergente, desigual e tropical Brasil. O presente artigo apresenta uma visão geral da trajetória da economia brasileira desde o segundo choque do petróleo[1] até o aniversário de 30 anos do Plano Real.
 
O artigo apresenta quatro seções diferentes: as considerações iniciais; as três fases distintas do Plano Real; os 30 anos do Plano Real; e as considerações finais.
 
No livro intitulado História do Plano Real, lançado em novembro de 2000, o professor de Economia Brasileira Contemporânea, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), economista Luiz Filgueiras, afirma que “Desde o fim da década de 1970, quando do segundo choque do petróleo e da elevação das taxas americanas, a economia brasileira passa por um processo de grande instabilidade” (FILGUEIRAS, 2006, p. 27).
 
Em outras palavras, desde o segundo choque do petróleo em 1979 e a elevação das taxas de juros pelo FED, banco central dos Estados Unidos da América (EUA), a economia brasileira ingressou na armadilha da renda média.
 
Ainda de acordo com Filgueiras (2006, p. 27):
 
Na primeira metade dos anos 1980, com a chamada “crise da dívida externa”, as políticas decorrentes do “ajuste monetário do balanço de pagamentos” viabilizaram o equilíbrio das relações externas do País, à custa da estagnação econômica, do agravamento do processo inflacionário, do endividamento público e da fragilização financeira do Estado.
 
Com isso, a dívida externa bruta cresceu de US$ 53,9 bilhões em 1980 para US$ 95,8 bilhões em 1985, segundo os dados do Banco Central do Brasil (BACEN).
 
Iniciado com o Plano Cruzado (fevereiro de 1986), o período caracterizado pela sucessão de planos heterodoxos de combate à inflação, teve sequência com o Plano Cruzado II (novembro de 1986), o Plano Bresser (junho de 1987), o Plano Verão (janeiro de 1989), o Plano Collor I (março de 1990) e o Plano Collor II (janeiro de 1991). Embora possam ser apontadas algumas diferenças na formulação e execução de cada um, caracterizando-os como mais ou menos heterodoxos, houve um fator comum a todos eles: a tentativa de derrubar a inflação por meio do uso de artificialismos como congelamento de salários e de preços, imposição de tablitas ou desindexadores, adotados mediante decretos-lei ou medidas provisórias.
 
Os resultados foram decepcionantes, como se observa no trecho a seguir, extraído da publicação Notas: avaliação de projetos de lei, editada pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro:
 
O absoluto insucesso das tentativas de controle da inflação se fez acompanhar de um grande aumento de sua variabilidade. Nos anos anteriores (1981 a 1985), a inflação aumentara sim, mas de forma menos irregular, ao passo que, subsequentemente, os sucessivos “pacotes” tornaram dificílima a previsão do comportamento dos preços, mesmo em pequenos intervalos de tempo. Como reação a essa imprevisibilidade, o País passou a viver na base do curto-prazo, sem investir produtivamente, sempre na expectativa dos próximos choques, decretos-leis, medidas provisórias, atos normativos etc.
 
A entrada em vigor do Plano Real marcou uma mudança significativa nesse cenário econômico, sendo reconhecido como um marco na estabilização econômica do País.
 
2. As três fases distintas do Plano Real
 
O Plano Real teve três fases distintas: i) o ajuste fiscal; ii) a criação da Unidade de Referência do Valor (URV); e iii) a introdução da nova moeda, o real.
 
Na primeira fase foi implementado o Programa de Ação Imediata (PAI) em 14 de junho de 1993. Esta fase durou até 28 de fevereiro de 1994, e foi importante para estabelecer o equilíbrio dos gastos do Governo. Foi uma etapa marcada por uma política fiscal contracionista, com forte redução dos gastos governamentais.
 
Na segunda fase foi criada a URV. O dispositivo-chave, que continha as principais inovações da reforma monetária, a começar pela criação da URV, o coração do programa de estabilização econômica, que identifica a primeira das três datas importantes do Plano Real, de acordo com Gustavo Franco (2017, p. 567): "O Plano Real teve três datas importantes, sendo a primeira e principal a da MP 434, de 27 de fevereiro de 1994, a qual, depois de três reedições, se tornou a Lei 8.880, de 27 de maio de 1994".
 
Em seu artigo primeiro, a referida lei estipula que fica instituída a URV, dotada de curso legal para servir exclusivamente como padrão de valor monetário. Em seus dois parágrafos, a lei estabelece que a URV, que no dia 1º de março de 1994 corresponde a CR$ 647,50, juntamente com o cruzeiro real, integra o Sistema Monetário Nacional (SMN), continuando o cruzeiro real a ser utilizado como meio de pagamento dotado de poder liberatório.
 
Esta etapa se estenderá até a entrada em circulação da nova moeda, que ocorrerá no dia 1º de julho de 1994. O período de vida da URV foi curto e profícuo. Foi, além disso, a grande sacada da equipe responsável pela concepção do Plano Real: combater a inércia inflacionária que se alimentava da indexação dos preços por meio da radicalização da correção monetária ou uma aceleração da indexação. Nas palavras de Gustavo Franco, "uma vacina feita com o próprio veneno da inflação" (2017, p. 609).
 
A taxa de inflação alcançou o seu maior patamar em 1993 ao registrar 2.477%, medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e mensurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A hiperinflação era visível quando os preços dos alimentos sofriam remarcações diariamente nos supermercados. As famílias brasileiras, em especial as de baixa renda, sofreram muito com a hiperinflação. Por exemplo, um jovem casal ter o seu primeiro bebê nessa época foi um período extremamente difícil para comprar fraldas, mamadeiras, pomadas e remédios, além de alimentos como Leite Ninho da Nestlé.
 
E a terceira fase ocorreu com o lançamento da nova moeda, o real, que passou a circular em 1º de julho de 1994, quando o ministro da Fazenda era Rubens Ricupero, que havia substituído Fernando Henrique Cardoso (FHC), obrigado a deixar o cargo para se candidatar à Presidência da República. Portanto, a partir de 1º de julho de 1994 o Brasil passou a dispor de uma única moeda de curso legal, o real, dotada de poder liberatório.
 
Nesses termos, o cruzeiro real deixava de integrar o SMN, mas suas cédulas poderiam permanecer em circulação pelo prazo de 30 dias até sua substituição. A paridade entre a nova e a velha moeda era dada pela última cotação da URV em cruzeiros reais, fixada para o dia 30 de junho de 1994 em CR$ 2.750,00 para cada real, permanecendo fixa a partir daí, à semelhança de outras reformas monetárias ocorridas no passado.
 
O sociólogo FHC, que foi o quarto ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco, conseguiu formar uma excelente equipe de economistas ligados à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), entre os quais:
 
Pérsio Arida: Economista e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco Central do Brasil (BACEN), Arida foi uma figura-chave na equipe econômica que liderou a transição para o Plano Real, ajudando a desenvolver estratégias para controlar a hiperinflação e estabilizar a economia, utilizando, para tal, sua experiência com o Plano Cruzado (1986).
 
André Lara Resende: Economista e ex-presidente do BNDES, desempenhou papel importante na criação da URV, um dos pilares do Plano Real, tendo também aprendido com os erros do Plano Cruzado (1986).
 
Gustavo Franco: Economista e ex-presidente do BACEN, conhecido por seu papel na concepção e implementação do Plano Real. Ele desempenhou papel fundamental na formulação das políticas econômicas necessárias para estabilizar a economia brasileira.
 
Winston Fritsch: Economista e professor universitário que contribuiu com sua experiência acadêmica e conhecimento técnico para o desenvolvimento do Plano Real, especialmente na formulação de políticas monetárias e fiscais.
 
Edmar Bacha: Economista, ex-presidente do BNDES e do IBGE, e um dos fundadores do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Graças (IEPE/CdG), Bacha contribuiu com sua expertise em políticas econômicas para a concepção e implementação do Plano Real, especialmente no controle da inflação.
 
Pedro Malan: Economista, foi negociador-chefe da dívida externa brasileira (1991-1993), presidente do BACEN (1993-1994) e ministro da Fazenda (1995-2002). Desempenhou papel crucial na concepção e implementação do Plano Real desde o governo Itamar Franco e durante todo o governo de FHC, supervisionando as políticas fiscais e monetárias necessárias para garantir sua eficácia.
 
Além desses seis grandes economistas, Clóvis de Carvalho e Eduardo Jorge desempenharam papel importante desde o início da gestão de FHC no Ministério da Fazenda, assim como Rubens Ricupero, na fase da implantação da nova moeda. Para Maria Clara do Prado (2005, p. 242), Ricupero foi "o principal comunicador do Plano Real" e "elo mais importante entre o presidente Itamar Franco e a equipe".
 
3. Os 30 anos do Plano Real
 
Nesta seção abordamos os impactos econômicos, sociais e ambientais ao longo desses 30 anos do Plano Real com destaque para a estabilidade econômica alcançada, o controle da inflação e as transformações no mercado financeiro brasileiro.
 
Desde sua implementação em 1994, o País alcançou uma notável estabilidade econômica, marcada pela redução significativa da inflação e pela consolidação de políticas monetárias mais sólidas. Além disso, o Plano Real desempenhou um papel crucial na modernização do sistema bancário brasileiro.
 
A taxa de inflação no Brasil alcançou o seu menor patamar em 1998 ao registrar 1,66%, medido pelo IPCA, do IBGE. As famílias brasileiras, em especial as das classes econômicas D e E, passaram a consumir mais bens de consumo (carne de frango, pães, iogurtes, biscoitos, eletrodomésticos, móveis) e serviços, e muitas migraram para a classe econômica C, a classe média.
 
É importante destacar que, embora tenha havido desafios ao longo do caminho, como períodos de volatilidade econômica, o legado do Plano Real permanece como um marco na História Econômica do Brasil. Sua implementação bem-sucedida reflete a capacidade do País de superar crises e adotar medidas eficazes para promover o desenvolvimento sustentável.
 
A estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real contribuiu para a melhoria das condições de vida da população, com impactos positivos na redução da pobreza absoluta, no aumento do acesso a bens e serviços básicos, na promoção de oportunidades de emprego e renda e na possibilidade de fazer algum planejamento econômico-financeiro, o que era impraticável com as elevadas taxas de inflação registradas até sua implantação.
 
Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, entrevistado no programa "Diálogos no Espaço Democrático", afirmou que "o Plano Real foi idealizado para acabar com a hiperinflação e, nesse aspecto ele foi muito bem-sucedido, pois foi responsável pela criação de uma moeda que até hoje se mantém estável”.
 
Interessante registrar que tanto o atual como o ex-presidente da República votaram contra a aprovação do Plano Real na Câmara dos Deputados, em Brasília: Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto deputado federal e líder do Partido dos Trabalhadores (PT) pelo estado de São Paulo, e Jair Messias Bolsonaro, então deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC) do estado do Rio de Janeiro. Ambos fizeram oposição ao Plano Real, que debelou a inflação sem congelamentos de preços e salários nem confisco de poupança, no país que tinha uma das maiores taxas de inflação em todo o mundo no ano de 1993, provocando a queda do IPCA de 46,58% em junho de 1994 para 6,08% em julho de 1994, conforme o IBGE.
 
4. Considerações finais
 
Esperamos que o artigo tenha fornecido uma visão concisa da importância do Plano Real para a superação do principal desafio econômico enfrentado por décadas pelo Brasil, a inflação crônica e elevada, bem como de sua contribuição para a estabilização econômica e a melhora do poder de compra das famílias.
 
Infelizmente, depois de 30 anos de estabilidade propiciada pelo Plano Real, o Brasil continue enfrentando sérios problemas em áreas como educação, saúde e desigualdade social e regional.
 
Referências
 
ARIDA, Pérsio. A História do plano que levou a nocaute a hiperinflação crônica do Brasil. Entrevista ao Espaço Democrático. Disponível em: https://espacodemocratico.org.br/noticias/a-historia-do-plano-que-levou-a-nocaute-a-hiperinflacao-cronica-do-brasil/?fbclid=IwAR1DfAxbBuKzpdr546C1CJBYKszhVgiQirtyngK8J0UBtOYGTe47RXpOJIQ. Acesso em: 27 fev. 2024.
 
FILGUEIRAS, Luiz. História do Plano Real. 3ª. ed. São Paulo: Boitempo, 2006.
 
FRANCO, Gustavo H. B. A moeda e a lei: uma história monetária brasileira (1933-2013). Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
 
INSTITUTO LIBERAL. "O quinquênio dos “pacotes”. In Notas: avaliação de projetos de lei. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1993, pp. 31-40.
 
PRADO, Maria Clara R. M. do. A real história do Real. Rio de Janeiro: Record, 2005.
 
(*) Economista brasileiro, formado pela UFPB (1998), especialista em Gestão de RH pela UNINTER (2009), professor de Economia no UNIESP, conselheiro efetivo do CORECON-PB, sócio efetivo do Fórum Celso Furtado de Desenvolvimento da Paraíba, autor de 12 e-books de Economia pela Editora UNIESP, autor e coautor de centenas de artigos de Economia. WhatsApp: 55 (83) 98122-7221.
(**) Economista brasileiro, formado pela Universidade Mackenzie (1977), é mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012). Sócio-diretor da empresa SAM – Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e assessor da Fundação Espaço Democrático. Autor e coautor de centenas de artigos nas áreas de Economia e Criatividade e dos livros Viagem pela Economia (2019) e Economia + Criatividade = Economia Criativa (2022), ambos publicados pela Scriptum Editorial. WhatsApp: 55 (11) 99905-6445.
 

[1]A primeira crise do petróleo ocorreu em 1973, quando vários países exigiram a fundação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) para controlar o preço dos barris de petróleo. Nesta oportunidade o preço do barril que era em média de US$ 3,00 subiu para US$ 12,00. A segunda ocorreu em 1979, quando se deu o conflito árabe-israelense. Na ocasião, o preço do barril que havia oscilado entre US$ 12,00 e US$ 17,00 desde 1974, subiu para US$ 35,00. Há quem defenda também a existência de uma 'terceira crise do petróleo', ocorrida em 1991, quando teve início a guerra da Palestina.
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