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20/07/2024 às 18h04min - Atualizada em 20/07/2024 às 18h00min

A FOME NO MUNDO AINDA CONTINUA ALTA

Por Paulo Galvão Júnior (*)

Paulo Galvão Júnior

Paulo Galvão Júnior

Economista paraibano, autor de 17 e-Books de Economia, conselheiro do CORECON-PB e diretor secretário do Fórum Celso Furtado de Desenvolvimento da PB.

Fonte: FAO.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quantos milhões de pessoas vão dormir todos os dias sem consumir as calorias mínimas necessárias para suas atividades diárias no mundo? De acordo com a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), no relatório El Estado de la Seguridad Alimentaria y la Nutrición en el Mundo 2023, cerca de 783 milhões de pessoas enfrentam a fome no mundo, devido a repetidas crises climáticas, conflitos, recessões econômicas, desigualdades e à pandemia.
 
A fome no mundo ainda continua alta, sendo um dos maiores desafios globais, “Se estima que en 2022 padecieron hambre en todo el mundo de 691 a 783 millones de personas” (FAO, 2023, p. ix). Esse número alarmante reflete os impactos da COVID-19, da Guerra na Ucrânia e das mudanças climáticas em 2022. Este relevante artigo analisa o número de pessoas famintas no planeta entre 2005 e 2022, utilizando dados oficiais da FAO para identificar as principais causas de tanta dor e sofrimento.
 
A falta de alimentos adequados e nutrientes essenciais pode levar a uma série de problemas físicos e mentais. Pessoas que sofrem de fome crônica enfrentam desnutrição, que enfraquece o sistema imunológico, torna-as mais vulneráveis a doenças e infecções, e pode causar condições graves como anemia, deficiências e crescimento atrofiado em crianças. Além dos impactos físicos, a fome também causa sofrimento emocional e psicológico, aumentando o estresse, a ansiedade e a depressão.
 
A FAO
A FAO foi fundada em 16 de outubro de 1945, na cidade de Quebec, na província francófona de Quebec, no Canadá. A primeira Conferência da FAO foi no belíssimo Château Frontenac com a presença de 42 países membros fundadores. A sede oficial da FAO fica em Roma, na Itália, para sensibilizar e mobilizar esforços globais na luta contra a fome (la faime).
 
Segundo o primeiro secretário-geral do Conselho da FAO, o médico brasileiro Josué de Castro (1908-1973), quando uma pessoa chega ao ponto de não ter nada para comer, é porque a ela foi negado tudo, é uma forma moderna de exílio. A fome (el hambre) é a sensação fisiológica que indica a necessidade de alimentos. É um sinal do corpo humano de que ele precisa de nutrientes para funcionar corretamente.
 
Em 1965, o geógrafo e nutricionista pernambucano Josué de Castro afirmou que todo o extraordinário progresso do mundo pode estar comprometido por causa do problema da fome mundial. A tomada de consciência deste problema pode conduzir os povos famintos à revolta. Em 20 anos, ou teremos a catástrofe provocada pela fome mundial, ou teremos a abundância para todos. Pois dispomos de recursos naturais, técnicos e financeiros suficientes para resolver esse problema.
 
A FAO irá completar 79 anos em 16 de outubro de 2024 e já conta com 195 membros, incluindo 194 países e a União Europeia. A organização trabalha globalmente para combater a fome e promover a segurança alimentar por meio de programas de desenvolvimento sustentável nas áreas de agricultura, pecuária, pesca e aquicultura.
 
DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO
Em novembro de 1979, durante a Conferência da FAO em Roma, foi instituído o Dia Mundial da Alimentação (World Food Day), celebrado anualmente desde 1981 em 16 de outubro, data de aniversário da FAO.
 
O tema escolhido pela FAO em 2018 foi Um Mundo Fome Zero até 2030 é possível (A Zero Hunger World by 2030 is possible). Com este tema, a FAO pretendia estimular uma reflexão crítica sobre o quadro da fome mundial e cumprir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, em especial, o ODS 2.
 
No ano de 2024, o Dia Mundial da Alimentação, cujo tema é Direito aos alimentos para uma vida e um futuro melhores, será um momento crucial para refletir sobre a importância da segurança alimentar e nutricional em escala global. Esse dia especial ao redor do mundo visa aumentar a conscientização e a ação em prol daqueles que sofrem de fome e para assegurar a segurança alimentar e dietas nutritivas para todos.
 
O tema deste ano requer a garantia urgente de que todas as pessoas, em todos os países, tenham acesso a alimentos suficientes, seguros e nutritivos. A segurança alimentar é um direito humano fundamental, essencial para a realização de uma vida digna e saudável.
 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 10 de dezembro de 1948, reconhece o direito à alimentação como um direito humano fundamental. O direito à alimentação é universal, abrangendo homens, mulheres, crianças, jovens e idosos, conforme estabelecido no Artigo XXV dos seus 30 artigos.
 
UMA BREVE ANÁLISE DOS DADOS DA FAO
Milhões de pessoas nos cinco continentes ainda não têm acesso a alimentos suficientes, resultando em várias formas de subnutrição. Essas condições têm um impacto profundo no bem-estar geral das populações afetadas. A subnutrição pode levar a uma série de problemas de saúde, incluindo deficiências nutricionais, aumento da suscetibilidade a doenças e comprometimento do crescimento infantil.
 
Quadro 1: Número de Pessoas Famintas nos Continentes – 2022.
Continente Números de
pessoas famintas
(2022)
Participação
 
(%)
Ásia 431,0 milhões 55,04
África 291,9 milhões 37,27
América Latina e Caribe* 51,0 milhões 6,51
América Septentrional** e Europa 6,0 milhões 0,77
Oceania 3,2 milhões 0,41
Mundo*** 783,1 milhões 100
Fonte: FAO, 2023.
Nota: (*) Região da América, com dados de 33 países;
(**) Região da América, com dados dos EUA e do Canadá.
(***) Limite superior de pessoas subalimentadas da FAO.
 
Conforme os dados da FAO, em 2022, 783,1 milhões de pessoas enfrentaram a fome em todo o mundo. A distribuição dessas pessoas famintas pelos cinco continentes revela disparidades significativas na atualidade.
 
Com 431 milhões de pessoas famintas, a Ásia lidera em números absolutos e participação percentual, representando 55,04% do total mundial. Isso reflete nos desafios contínuos de segurança alimentar em vários de seus países.
 
Com 291,9 milhões de pessoas famintas, a África representa 37,27% do total global. A alta proporção reflete a vulnerabilidade do continente a fatores como conflitos armados, mudanças climáticas e crise econômica.
 
A região da América Latina e Caribe contabiliza 51 milhões de pessoas famintas, correspondendo a 6,51% do total mundial. Isso indica desafios significativos para mitigar os fatores que contribuem para a fome e promover a segurança alimentar sustentável.
 
A América Septentrional e Europa juntas têm seis milhões de pessoas famintas, representando 0,77% do total global. Apesar de serem regiões economicamente mais desenvolvidas, ambas ainda existem bolsões de insegurança alimentar.
 
Com 3,2 milhões de pessoas famintas, a Oceania contribui com 0,41% do total mundial. A menor participação percentual reflete a menor população passando fome entre os continentes, mas não diminui a importância dos desafios enfrentados pelo Novíssimo Mundo.
 
Os dados da FAO destacam a necessidade urgente de abordar a insegurança alimentar de maneira global e coordenada, com esforços específicos para as três regiões mais afetadas, Ásia, África e América Latina e Caribe. Iniciativas internacionais, políticas nacionais e ações locais são essenciais para mitigar os fatores que contribuem para a fome no mundo.
 
Quadro 2: Número de Pessoas Subalimentadas no Mundo – 2005/2022.
Ano Número de pessoas subalimentadas
no mundo
(milhões)
Evolução
(%)
2005 793,4 -
2010 597,8 -24,65
2015 588,9 -1,49
2019 612,8 +4,06
2020 701,4 +14,46
2021 738,9 +5,35
2022* 735,1 -0,51
Fonte: FAO, 2023.
Nota: (*) Ponto médio de pessoas subalimentadas da FAO.
 
De acordo com os dados da FAO, em 2005, o número de pessoas subalimentadas era de 793,4 milhões. Em 2010, esse número caiu para 597,8 milhões, representando uma redução significativa de 24,65% na fome mundial.
 
Em 2015, o contingente populacional carente de alimentos diminuiu para 588,9 milhões, uma queda de 1,49% em relação a 2010. A redução continuou, mas em um ritmo mais lento comparado ao período anterior.
 
Em 2020, o número de pessoas famintas aumentou drasticamente para 701,4 milhões, um aumento de 14,46%, em relação ao ano de 2019, com 612,8 milhões. Este crescimento foi devido à ocorrência de eventos adversos na segurança alimentar, incluindo a pandemia da COVID-19 e as recessões econômicas em diversos países como África do Sul, Afeganistão, Bolívia, Chade, República Centro-Africana, República Democrática do Congo e Sudão do Sul.
 
Em 2021, o número de pessoas subalimentadas subiu para 738,9 milhões, um aumento de 5,35%. Este crescimento continua a tendência de piora da segurança alimentar global observada a partir de 2020.
 
Em 2022, o número de pessoas subnutridas reduziu ligeiramente, “Considerando o ponto médio do intervalo (cerca de 735,1 milhões) em 2022 passaram fome”, conforme a FAO (2023, p. xvii), ou seja, uma diminuição de 0,51%. Embora tenha havido uma pequena melhora, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar ainda está muito acima dos níveis anteriores a 2015.
 
É importante ressaltar que, até 2022, o número de pessoas afetadas pela fome aumentou em 122,3 milhões em todo o mundo desde o início da pandemia de COVID-19, que começou na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China. A pandemia teve um impacto devastador nas economias globais, exacerbando as desigualdades existentes e interrompendo cadeias de suprimentos alimentares.
 
Muitos países, especialmente aqueles em desenvolvimento, enfrentaram desafios, como o fechamento de fronteiras e os lockdowns, que afetaram drasticamente a produção agrícola e a distribuição de alimentos. Além disso, a perda de empregos e a redução de renda resultaram em uma diminuição do poder de compra, tornando difícil para muitas famílias mais pobres adquirir alimentos.
 
É preciso destacar que houve uma redução no número de pessoas com fome entre 2005 e 2022 (58,3 milhões), com uma queda de 7,35%. Em 2022, houve um decréscimo, mas o número de pessoas famintas ainda é elevado em comparação aos níveis de 2015. É crucial intensificar os esforços na segurança alimentar mundial, devido à necessidade de fortalecer as estratégias globais para alcançar o ODS 2, que visa erradicar a fome até 2030.
 
AS PRINCIPAIS CAUSAS DA FOME NO MUNDO NA ATUALIDADE
As oito principais causas da fome no mundo na atualidade são: I) A crise econômica em vários países. Exemplo, a crise econômica na Venezuela, deixa mais de três milhões de pessoas passando fome. É triste perceber que crianças esperam por comida em uma longa fila de distribuição de sopa nas ruas de Caracas, a capital venezuelana;
 
II) O conflito armado em diversos países. Exemplo, a Guerra Civil na Síria, desde janeiro de 2011, causa a morte de crianças pela forma mais grave de desnutrição, além de deixar muitas órfãs e famintas. É triste enxergar uma criança com desnutrição grave em um hospital em Damasco, a capital da Síria;
 
III) A extrema seca em várias nações. Exemplo, países africanos como Somália, Etiópia, Djibuti, Quênia e Uganda enfrentam extrema seca, causando a morte de crianças africanas por desnutrição e doenças relacionadas à falta de alimentos e água;
 
IV) A extrema enchente em diversos países. Exemplo, enchente severa em países como Peru, Indonésia, Malásia e Paquistão afetam a produção agropecuária e o acesso a alimentos, contribuindo para a insegurança alimentar;
 
V) A elevada desigualdade econômica em várias nações. Exemplo, a baixa renda da população da Índia, Bolívia, Burundi, Iraque, Níger, Haiti, Benim, Guatemala, Nigéria, Tanzânia e Senegal impedem muitos consumidores de adquirirem alimentos. Como resultado, muitas pessoas não têm condições financeiras para comprar alimentos e passam fome nas ruas e praças;
 
VI) A alta pobreza em diversos países. Exemplo, o ciclo vicioso da pobreza na Argentina. Quando os argentinos não conseguem acesso a empregos estáveis ou educação de qualidade, suas chances de melhorar suas condições de vida diminuem drasticamente. A falta de educação limita as oportunidades de emprego formal, enquanto a ausência de trabalho impede o acesso a recursos necessários para se alimentar e ter uma vida saudável.
 
VII) Os altos preços dos alimentos. Exemplo, os sucessivos aumentos dos preços dos alimentos nas feiras livres e supermercados têm causado uma dor forte àqueles que não têm o que comer. Este problema é observado em diversos países, como Venezuela, Sudão, Líbano e Zimbábue, onde a inflação vem contribuído para o encarecimento dos produtos alimentícios.
 
VIII) O desperdício de alimentos em várias nações. Exemplo, o desperdício de alimentos no Brasil é elevado e são desperdiçadas 41 mil toneladas de alimentos por dia, segundo a World Resources Institute (WRI) Brasil. O caminhão de lixo despeja alimentos desperdiçados nas cinco regiões do país quase todo dia, que poderia alimentar milhões de pessoas famintas.
 
O desperdício ocorre em toda cadeia produtiva de alimentos no Brasil e nas seguintes etapas: Produção de alimentos (10%); Transporte de alimentos (50%); Centrais de abastecimento e distribuição de alimentos (30%); e Consumo de alimentos nos lares, bares, restaurantes, shoppings, hotéis, pousadas (10%), conforme a WRI Brasil.
 
Segundo Allan Boujanic (2016), ex-representante da FAO no Brasil no período 2012-2018, cerca de 30% de tudo o que é produzido no mundo é desperdiçado e perdido antes de chegar à mesa do consumidor. Isso provoca, segundo a FAO, um prejuízo econômico estimado em US$ 940 bilhões por ano, o que corresponde a cerca de R$ 3 trilhões.
 
O desperdício de alimentos no planeta já alcançou a US$ 1 bilhão em 2022, sendo 60% no ambiente doméstico, 28% em restaurantes, bares e lanchonetes e 12% em supermercados, feiras livres e hortifrutis, conforme os dados recentes da FAO.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A FAO aponta que poderá haver alimentos suficientes para todos os habitantes do planeta, que deverão estar chegando aos 8,6 bilhões em 2030. Porém, a distribuição dos alimentos continuará injusta, pois, em muitos países, milhões de pessoas não terão condições de comprar nas feiras livres ou supermercados.
 
O número total de pessoas famintas no mundo diminuiu ligeiramente, mas os aumentos regionais na África e na América Latina e Caribe são preocupantes e indicam regiões que necessitam de maior atenção da FAO, ao mesmo tempo em que se mantêm e reforçam os progressos alcançados em outras áreas do planeta.
 
Embora tenha havido avanços significativos em algumas partes do mundo, outras enfrentam um agravamento da fome devido a fatores como crises econômicas, conflitos armados no Iêmen e na Síria, guerra na Ucrânia e em Israel, mudanças climáticas e desperdício global de alimentos (uma média de 132 kg por habitante a cada ano).
 
A fome é uma questão crítica que exige atenção urgente. Em todo mundo são cerca de 783 milhões de pessoas com fome. É fundamental intensificar os esforços globais visando especialmente o ODS 2, que busca erradicar a fome até 2030. Isso requer garantir o acesso equitativo a alimentos nutritivos para todos.
 
A recente ocorrência de um apagão cibernético global destaca a vulnerabilidade dos sistemas ao redor do mundo e a nova possibilidade de interrupções no transporte de alimentos. Além disso, a ameaça de nova pandemia reforça a necessidade de resiliência para garantir a segurança alimentar.
 
Em um contexto de incertezas, é crucial agradecer pelo alimento disponível hoje, reconhecendo que o futuro pode trazer desafios imprevistos. Portanto, é necessário reforçar a cooperação internacional e investir em soluções inovadoras para alcançar a segurança alimentar global.
 
REFERÊNCIAS
FAO. El Estado de la Seguridad Alimentaria y la Nutrición en el Mundo 2023: Urbanización, transformación de los sistemas agroalimentarios y dietas saludables a lo largo del continuo rural-urbano. Disponível em: https://openknowledge.fao.org/server/api/core/bitstreams/d34d8ff3-18a2-4171-88eb-52c4b5e7c035/content. Acesso em: 18 jul. 2024.
WRI BRASIL. Food Loss and Waste Accounting and Reporting Standard. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/sites/default/files/FLW_Standard_Full.pdf. Acesso em: 18 jul. 2024.

(*) Paulo Galvão Júnior é economista brasileiro, conselheiro efetivo do CORECON-PB, sócio efetivo do Fórum Celso Furtado de Desenvolvimento da Paraíba, autor e coautor de mais de 326 artigos de Economia, autor de 17 ebooks de Economia, palestrante e apresentador do Programa Economia em Alta, na Rádio Alta Potência. WhatsApp: 55 (83) 98122-7221.
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