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11/03/2022 às 12h00min - Atualizada em 11/03/2022 às 12h00min

Por que invasão da Ucrânia está reaproximando os EUA da Venezuela

Duas semanas após a invasão do território ucraniano por tropas russas, o conflito já tem impacto sobre um dos principais embates das Américas: entre Estados Unidos e Venezuela.

- North News
BBC
Foto: MARK WILSON/GETTY IMAGES
Diante do abalo da guerra sobre as relações econômicas entre Moscou e o Ocidente, o governo americano passou a sinalizar a Caracas sua disposição de estreitar relações e, com isso, usar o petróleo venezuelano como substituto às importações do produto da Rússia. Mas será possível superar rapidamente os anos de tensão e desconfiança entre os dois países? E será que a guerra na Ucrânia é o único motivo por trás dessa reaproximação?

Na terça-feira (08/03) um executivo da Citgo, a subsidiária americana da petroleira estatal venezuelana PDVSA (Petróleos de Venezuela), e um turista cubano-americano foram libertados pelas autoridades venezuelanas. O executivo Gustavo Cárdenas estava preso desde 2017, enquanto Jorge Alberto Fernández fora detido em 2021, ao desembarcar no país de posse de um drone. Eles haviam sido condenados por corrupção e terrorismo, respectivamente.

O gesto ocorreu poucos dias depois que uma delegação de altos representantes dos Estados Unidos reuniu-se com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em Caracas - o primeiro encontrou dessa natureza desde que os dois países romperam relações em 2019. Também na terça-feira, o presidente americano, Joe Biden, anunciou um boicote americano às importações de petróleo e gás da Rússia.

Se a causa imediata dessa aproximação parece diretamente ligada ao conflito na Ucrânia e o abalo que ele causou no mercado internacional de energia, ao menos em parte as novas negociações têm relação com outro acontecimento recente de grande impacto: a mudança de comando em Washington.


Uma nova Casa Branca

A chegada do democrata Joe Biden à Casa Branca, em substituição ao republicano Donald Trump, sinalizou mudanças diversas no comportamento do governo dos Estados Unidos em suas relações com o resto do mundo. Do compromisso com os acordos de Paris para combater o aquecimento global à reaproximação com seus aliados europeus, a Casa Branca mudou significativamente o tom adotado anteriormente por Trump.

O governo de Nicolás Maduro viu na mudança uma oportunidade. Os momentos de maior tensão entre Washington e Caracas foram vividos no início de 2019, quando Donald Trump não apenas reconheceu o oposicionista Juan Guaidó como o legítimo presidente venezuelano como também conclamou as Forças Armadas do país sul-americano a depor Maduro - e pareceu sugerir a possibilidade de intervenção armada. "Buscamos uma transição de poder pacífica, mas todas as opções estão abertas", afirmou Trump na época.

A transição não ocorreu, Maduro continuou no Palácio de Miraflores, sede do governo em Caracas, e quem perdeu o emprego foi Trump. Maduro, no entanto, seguiu presidindo um país em grave crise econômica, com uma taxa de inflação de 2.958,8% em 2020. Segundo a agência da ONU para refugiados, Acnur, o número de venezuelanos buscando o status de refugiados em outros países, após escapar da violência e da pobreza na Venezuela, aumentou 8.000% desde 2014, chegando a 4 milhões.

Diante de um novo presidente americano, Maduro passou a tentar retomar os laços diplomáticos com Washington, passo fundamental para reduzir a gravidade da crise na Venezuela. Em maio de 2021, apenas quatro meses após a posse de Joe Biden, o líder venezuelano já enviava sinais à Casa Branca de que buscava uma melhora nas relações - e o alívio das sanções econômicas americanas.

Na época o governo em Caracas transferiu seis executivos da Citgo detidos, incluindo Gustavo Cárdenas, para prisão domiciliar, o que foi apresentado como um gesto de boa vontade para atrair os americanos à mesa de negociações. Washington, no entanto, indicou que não aceitaria nenhum diálogo sem antes haver algum passo na direção de eleições livres na Venezuela. Segundo noticiou na época a agência Reuters, um oficial do governo Biden disse: "Responderemos com base em ações concretas".


Retorno da diplomacia

Um mês depois, em entrevista à agência Bloomberg, Nicolás Maduro voltou a fazer um apelo pela normalização de relações entre Venezuela e Estados Unidos, pedindo o fim das sanções e do que chamou de "demonização" de seu país. O governo americano, ainda segundo a Bloomberg, respondeu que qualquer mudança em sua política em relação a Caracas exigia que Maduro dialogasse com a oposição para resolver a divisão política no país. Os EUA de Biden reafirmavam continuar reconhecendo o oposicionista Guaidó como presidente interino da Venezuela.

Um ano depois, com a inflação venezuelana desacelerando, mas ainda tendo fechado 2021 com a taxa anual de 686,4%, a guerra na Ucrânia parece ter mudado os cálculos de Washington sobre a Venezuela. O recente encontro realizado entre representantes americanos e Nicolás Maduro foi descrito de forma positiva pelos dois lados. Segundo a Casa Branca, foram discutidos "temas energéticos" no contexto da invasão da Ucrânia por tropas de Vladimir Putin. Já Maduro chamou a reunião de "respeitosa, cordial e muito diplomática".

"Concordamos em trabalhar em uma pauta a partir do respeito e da esperança do mundo, para assim poder avançar uma pauta que permita o bem-estar e a paz dos povos da região", afirmou o líder venezuelano. Maduro afirmou que as negociações continuariam.

O encontro causou surpresa e mal-estar entre os apoiadores de Juan Guaidó. Após a conversa com Maduro, porém, a delegação americana também reuniu-se com Guaidó e outros representantes da oposição venezuelana. O líder oposicionista não fez comentários diretos sobre a aproximação entre Washington e Maduro, mas se referiu a sua reunião como "trabalho de coordenação com o governo dos EUA, atendendo a razões de interesse e segurança nacional do nosso aliado".

Entretanto, o embaixador de Guaidó nos EUA, Carlos Vecchio, publicou uma série de mensagens na rede social Twitter criticando qualquer possibilidade de negociação com o governo de Maduro na área de energia. "Comprar petróleo de Maduro ou de Putin dá no mesmo. São petróleos de sangue", disse Vecchio.

Desde abril de 2019, os EUA não permitem que Caracas negocie seu petróleo no mercado americano, um comércio que representava 96% do faturamento externo da Venezuela. No entanto, quando Washignton e seus aliados ocidentais começaram a impor sanções econômicas à Rússia, vários influentes integrantes dos dois grandes partidos políticos dos EUA apontaram a Venezuela como um potencial substituto para suprir a escassez gerada com as medidas.

Atualmente a Venezuela produz cerca de 800 mil barris de petróleo por dia, apenas uma fração dos 3 milhões de barris que produziu diariamente durante anos, antes de sua recente crise. Na terça-feira, dia 8, o chefe da Câmara Petroleira da Venezuela, Reinaldo Quintero, disse à BBC que seu país poderia elevar a produção de petróleo em 400 mil barris por dia para ajudar a substituir o petróleo russo.

Quintero afirmou que o país sul-americano conta com a infraestrutura para aumentar sua produção diária para 1,2 milhão de barris. "Isso nos permitirá satisfazer algumas das necessidades no mercado americano."

Ele disse não esperar que as sanções sejam eliminadas, mas acredita que Biden provavelmente emita licenças que permitam que empresas estrangeiras operem na Venezuela sem que sofram punições. Ainda segundo ele, isso permitiria a entrada de necessário investimento do exterior, além de aliviar a escassez de trabalhadores habilitados.

Mesmo que a suspensão das sanções americanas e o restabelecimento de contatos diplomáticas ainda estejam distantes, a mudança de governo em Washington e a guerra na Ucrânia criaram condições para que um novo capítulo seja iniciado nas relações entre Estados Unidos e Venezuela. É mais um exemplo das muitas - e ainda desconhecidas - consequências dos desdobramentos recentes na política internacional.


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