07/04/2022 às 11h00min - Atualizada em 07/04/2022 às 11h00min
Alessia Cara, garota de Toronto: como ganhadora do Grammy aprendeu a cantar em português
Show dela no Lollapalooza teve Djavan e bossa nova. Ela lembra como conheceu música brasileira aos 14 anos e explica por que João Gilberto é 'cool': 'Ele não projeta a voz'.
Muita gente não entendeu nada quando Alessia Cara cantou "Flor de Lis", de Djavan, e "Saudade fez um samba", famosa na voz de João Gilberto, no sábado (26) de Lollapalooza. Com voz doce e aerada, ela surpreendeu ao cantar em português. Mas como a garota de Toronto virou fã de "Garota de Ipanema"?
Alessia não se lembra bem de quando ouviu música brasileira pela primeira vez. Ela estava no intervalo de uma das aulas do ensino médio. Tinha 14 anos.
"Comecei a descobrir no YouTube diferentes estilos de jazz", conta em entrevista em um hotel em São Paulo. "Daí, acabei encontrando por acaso a bossa, o samba... Mesmo sendo em uma língua diferente, eu pensei: 'isso é incrível'."
Era 2011 e Alessia tinha acabado de ganhar um aparelho Blackberry "bem pequeno". "Eu estava obcecada em ficar navegando na web, porque eu finalmente podia ter um celular."
O primeiro que descobriu foi João Gilberto. Mas o que fez ela ficar tão apaixonada por ele? "Eu não sei o que é que tem no tom da voz dele", tenta explicar. "A música e a forma de compor são incríveis, mas a voz e o jeito que ele entrega a música. Ele não projeta a voz, ele tem um canto sussurrado."
"Ele quase canta falando às vezes, mas tem tanto sentimento. E eu ouvi falar de que quando ele ainda estava entre nós, ele fazia os shows e pedia para todo mundo ficar super calado, não tirar fotos... e eu acho isso cool."
No terceiro álbum, "In the Meantime" (2021), Alessia deixou se levar pela bossa nova em "Find my boy" e "Bluebird". "Eu tento manter a essência do que a bossa nova é, sabe? Muito disso tem a ver com mudanças de acorde, com certos padrões, com um sentimento, um movimento específico que a bossa nova tem."
"Alguns acordes de bossa são supersimples, mas lindos. Outros são bonitos, mas extremamente difíceis de tocar. E o ritmo é meio difícil, porque você meio que tem que fazer duas coisas. Eu tento meio que pensar como um baterista, mas eu não sou muito boa no violão. Então, eu tento fazer o meu melhor... memorizando os acordes, ou usando três acordes mais simples."
Ela diz que é estranho ouvir as músicas em português, porque conhece os sons e consegue memorizar o som das palavras, mas não sabe quase nada dos significados. Algumas vezes, ela até tem certa noção, por falar italiano. "Mas eu acho lindo o jeito que soa. Prefiro ouvir em português porque é assim que é na original."
Alessia conheceu "Flor de Lis", porém, em uma versão bem diferente da original. Antes de ser apresentada à voz de Djavan, ouviu a música cantada por Gretchen Parlato, cantora de jazz nova-iorquina duas vezes indicadas ao Grammy.
Em 1965, quando Getz, Astrud e João Gilberto ganharam quatro Grammys, os Beatles ganharam o prêmio de artista revelação. A mesma estatueta que Alessia ganharia em 2018. "Uau, Beatles como uma novidade... hmmm, imagina as pessoas pensando 'é, eles são promissores, esses caras têm tudo para fazer sucesso um dia'", diz ela, brincando.
Alessia não é do tipo de artista que diz que gosta de música brasileira só por estar no Brasil. Ela já ouve música brasileira há mais de 10 anos. "Eu sei que é um pouco de nicho, mas eu adoro... Eu ouço o tempo todo quando estou lavando louça em casa é uma ótima trilha. É muito meditativa para mim."
Ao cantar MPB, ela é bem rigorosa com a própria performance. “Meu sotaque é bem americano, mas a música é linda", diz após cantar um trechinho de "Flor de Lis"
Antes de São Paulo, ela passeou pelo Rio. "Foi incrível, tão diferente de qualquer cidade perto de onde eu moro, em Toronto. Então, parece que tudo o que eu havia visto em filmes... É uma cidade na praia tão linda."
"Mas gostei de São Paulo, porque eu sou meio que uma garota da cidade, e aqui parece uma Toronto-Nova York tropical."
No final, o assunto clichê "comidas brasileiras" também teve vez. "Eu não gosto da tapioca americana, acho meio grudenta, eu sempre engasgo com ela. Mas agora eu posso falar que eu gosto de tapioca, porque a do Brasil é uma delícia."