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30/10/2024 às 11h37min - Atualizada em 30/10/2024 às 11h37min

Inglês X Português: Desafios da educação bilíngue são realidade dos pais brasileiros que vivem no Canadá

Crianças são alfabetizadas em inglês e muitas vezes falam português em casa

Larissa Valença
especial para o North News
Nayara e sua família celebrando o dia do Canada (Arquivo de Família)
 
O dia a dia na casa das famílias brasileiras, que vivem na maior parte do Canadá, onde o idioma materno é a língua inglesa, e precisam lidar com os dilemas da educação bilíngue, do inglês e do português, pode ser considerado repleto de obstáculos, mas também de vantagens que serão refletidas no futuro das crianças.

Educar é a missão mais importante do ser humano e por si só já é uma tarefa desafiadora, mas engrandecedora. Ao morar em um país diferente do seu, de origem, os desafios aumentam já que as crianças aprendem em grande parte do Canadá, o inglês na escola, e os filhos de pais brasileiros, muitos deles, interagem em casa em português. Então, o bilinguismo é parte constante da jornada do imigrante, tanto desses pais e é claro dessas crianças, que estão em constante aprendizado.

E o idioma vai bem além de ser apenas um canal de comunicação, ou um instrumento de expressão, pois possui um caráter socio-cultural bem grande, que impacta nas relações humanas. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), os idiomas desempenham um papel na comunicação, na identidade, na integração social, na educação e no desenvolvimento.


O inglês é o mais falado no mundo, segundo a enciclopédia britânica. Cerca de 1 bilhão e 270 milhões de pessoas falam o idioma em todo o mundo, de acordo com dados de 2020. E também é considerado a língua franca global, adotada para a compreensão entre pessoas que não tem o mesmo idioma materno.

Já o português é considerado o quarto idioma mais usado no mundo, perdendo para o inglês, o mandarim e o espanhol. E é falado por cerca de 260 milhões de pessoas no globo.

O Canadá é um país bilíngue, que fala inglês e francês. A maioria do país fala inglês, sendo mais de 77% da população canadense. As províncias, que falam francês, são a de Quebec e de New Brunswick com cerca de 31% de falantes nativos do francês. Nessa reportagem, o North News vai abordar a realidade de grande parte do país, as regiões mais populosas, que é o caso da província de Ontario e da British Columbia, onde estão localizadas as cidades de Toronto e Vancouver, locais nos quais o inglês é a língua materna.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE) cerca de 133 mil brasileiros residem no Canadá. E se deparam com os desafios e benefícios da educação bilíngue na vida de seus filhos, ao decidir ensinar o português para os filhos que nasceram ou vivem em um país em que a língua mãe é o inglês.

Esse é o caso de Nayara Cardoso que vive na província de Ontario há 9 anos e tem 2 filhos o Pedro de 10 anos e a Luísa de 5 anos. Ela compartilha bastante da sua rotina em sua conta @MyfamilynoCanada_ do Instagram. “Quando chegamos Pedro tinha 1 ano e meio. Meu marido veio com visto de estudante para fazer college. Aquele processo que a maioria dos brasileiros fazem, estudo e trabalho. Enquanto meu marido estudava eu cuidava do nosso filho. O começo para mim não foi fácil, a barreira da língua era o ponto mais desafiador, pois eu não falava inglês. Me ver dependente do meu marido para resolver coisas básicas não foi nada fácil, mas com paciência tudo foi acontecendo. Gosto de falar que temos esse incrível poder de nos adaptarmos. Depois de conseguir a pontuação do Express entry, conseguimos a nossa tão sonhada e difícil residência permanente e no começo desse ano nos tornamos cidadãos”, resume a sua trajetória no Canadá. 

Nayara ressalta que sempre teve um combinado com a sua família: falar português em casa. Já que a mamãe sabe que na escola ou com os amigos o inglês é a língua que predomina.” Ensinar e falar o português com as crianças em casa sempre foi muito natural. Com o passar do tempo e mais contato com amigos falando inglês tanto o Pedro, quanto a Luísa começaram a fazer perguntas ou responder em inglês, mas sempre procurei manter a regra pedindo para que refizessem a pergunta ou me respondessem em português. Com dois filhos fluentes em inglês o desafio atual é conseguir que falem entre eles só em português”, conclui.

 Nayara reflete que essa regra talvez não a tenha ajudado com o seu aprendizado do inglês, mas a sua escolha foi baseada nos frutos que isso geraria para as suas crianças. “Eu sabia que ensinar e dar a oportunidade para eles aprenderem a nossa língua materna seria muito importante. Principalmente porque é na infância que eles absorvem tudo com muito mais facilidade”, define.

Nayara reforça que um dos maiores desafios da educação bilíngue em seu lar é que os dois às vezes falam inglês entre si quando estão brincando, pois é mais fácil para eles se expressarem nesse idioma. ‘’Outras vezes escuto 50% da conversa em inglês e 50% em português, e está tudo bem, é inevitável para a realidade deles’’, complementa.

Ela menciona detalhes do processo de aprendizagem do seu filho Pedro. ‘’Quando chegamos eu não falava inglês e o Pedro não ia para nenhuma escolinha até os 3 anos e meio. Ele aprendeu a falar aqui no Canadá. Decidimos que em casa só falaríamos português e assim fiz e continuamos fazendo. Aos 3 anos e meio ele começou a pré escola no centro comunitário perto de onde morávamos. O programa era 2 vezes por semana por 2 horas. Ele começou a aprender as primeiras palavrinhas em inglês antes de começar a escola. Quando o Pedro tinha 4 anos e 5 meses começou o Junior Kindergarten. Eu acredito que a pré escola serviu como preparo tanto no inglês como a uma rotina diferente. A adaptação dele na Junior Kindergarten foi bem tranquila, desde o início. A manutenção do português dentro de casa fez com que ele nunca perdesse sua língua materna. Hoje com 10 anos, o Pedro fala, lê e escreve em português, obviamente o inglês é a primeira língua dele. A língua em que ele se sente mais confortável para se expressar”.

Nayara relembra que ao chegar no Canadá ouviu muito a frase  “Agora o seu filho será bilíngue, aprenderá inglês e francês”, mas ela sempre considerou de suma importância o aprendizado do português. “Algumas pessoas esquecem o quanto é importante também manter ou ensinar a nossa língua materna para nossos filhos. Eu acredito que essa é sem dúvida uma herança incrível que deixaremos para eles. Até por que nada é certo e não sabemos o dia de amanhã”, descreve.

Um exemplo midiático que temos é do cantor canadense Shawn Mendes, que possui um pai português, Manuel Mendes nascido na região de Algarve, mas o artista não sabe falar o idioma do pai. Então, essa decisão e incentivo do aprendizado da língua nativa dos pais é algo que começa em casa. 

Outro desafio ao lidar com crianças bilíngues é levar em conta que cada criança possui um modo próprio de aprender, uma maneria individual de adquirir o conhecimento. Há sete estilos de aprendizagem, que são: físico, intrapessoal, interpessoal, linguístico ou verbal, matemático, musical, visual.  Sendo o estímulo essencial durante todo e qualquer um desses processos de aprendizagem individual.

 Nayara percebeu uma diferença na aprendizagem dos filhos. Eles têm 4 anos e 8 meses de diferença. Pedro o mais velho teve mais facilidade no aprendizado dos idiomas. “Pedro nunca teve dificuldade em aprender português e também não teve dificuldade no aprendizado do inglês. Foi um processo natural para ele. Teve oportunidade de frequentar uma pré escola, fez atividades extra curriculares em inglês, o que o proporcionou um aprendizado em conjunto nas duas línguas”.

 Já com a a Luísa, a filha mais nova, Nayara enfatiza que a jornada do conhecimento tem sido um pouco mais desafiadora. “Com ela foi um pouco diferente, pois tem mais dificuldade com as duas línguas. Desde de pequena ela sempre foi exposta ao português, mas teve ‘acesso’ ao inglês mais cedo porque já tinha o irmão em casa fluente em inglês. E em relação ao inglês, a Luísa não teve as mesmas oportunidades que o Pedro quando pequeno porque como ela foi uma bebê de pandemia, ela não fez pré escola ou atividades extra curriculares em inglês. Assim, tirando o pouco que ela ouvia o Pedro falando inglês em casa, ela mal teve acesso ao inglês. O que foi um desafio quando ela entrou na escola, com os 3 anos e 9 meses, já que o ano letivo aqui em Ontario, começa em setembro. Foi um ano de muito incentivo ao inglês dela, mas claro, não deixando o português de lado. Para incentivar o aprendizado, além de conversarmos apenas em português, procuramos ler com eles em português desde pequenos. Pedíamos para familiares trazerem livros, jogos e filmes em português”, detalha.

Entretanto, essa jornada não é só composta de desafios, e sim há muitos benefícios em aprender a falar mais de um idioma ainda na infância. Já que nesse período da vida, o processo de aquisição de uma segunda língua é mais natural e propenso, devido ao desenvolvimento neurológico e as atividades cerebrais estarem acontecendo de forma bastante intensa nos primeiros anos de vida. Além de assimilar pronúncias de forma mais fácil, a criança ainda tem ótimo nível de armazenamento de memória e flexibilidade cognitiva. Além disso, uma das grandes vantagens é no desenvolvimento das habilidades socioemocionais.

Nayara enxerga bem isso, que ser bilíngue, vai além, de saber falar duas línguas, para ela o principal benefício é a conexão que cria-se com a família no Brasil, com os parentes que estão por lá, o vínculo cultural, e além de claro de respeitar as diversidades. “Outro benefício muito importante é o da socialização. Há dois anos, fomos ao Brasil e eles fizeram amizades com crianças que não falavam inglês, estavam confiantes que podiam se comunicar e brincar sem a barreira da língua. Sem contar claro que ser bilíngue ou trilíngue abrem mais portas no futuro”, relata.

Segundo a pedagoga Maria de Lourdes Pinto, que realizou projetos na educação pública brasileira paulistana inovadores e bastante lúdicos, levando em conta a realidade sociocultural das crianças, “Já diziam os grandes especialistas da pedagogia que um dos maiores benefícios da educação bilíngue é gerar a autonomia da criança, pois de acordo com alguns experts- a infância é a fase em que se tem a maior capacidade de aprender duas ou mais línguas de forma até simultânea- com facilidade na fluência, é considerado um período sensível para a aquisição de línguas. Nesse estágio da vida, a criança começa construir as bases para as habilidades linguísticas (falar bem), sociais (entende o mundo em que ela vive), e até intelectuais (desenvolvendo essa capacidade cada vez mais). Estudos apontam que inserir a segunda língua de forma lúdica como tem feito a Nayara com os filhos dela, torna o caminho do conhecimento muito prazeroso, eficaz e que também pode ser útil no futuro desses indivíduos”, finaliza.

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