A maternidade é maravilhosa e possibilita uma série de novos caminhos para a mulher e muito crescimento pessoal. Sem dúvidas, é uma jornada de muita alegria e amor, mas além do despertar desses sentimentos nobres também surgem os desafios no âmbito pessoal, profissional, psicológico e social, que são inerentes à realidade vivida no Canadá.
Os desafios mais comuns na maternidade são a conciliação entre trabalho e família, a pressão social e familiar para atingir determinados padrões, a falta de rede de apoio, o estresse e sobrecarga, o cansaço extremo, privação do sono principalmente quando o filho ainda é bebê, dificuldade em balancear o tempo de qualidade da vida pessoal-momentos de autocuidado- com outros âmbitos da vida.
Fora todos esses pontos de atenção, a mãe que vive no Canadá, se depara com questões próprias de quem mora em um país que tem um inverno rigoroso e longo, longe da rede de apoio e do convívio com os parentes que vivem no Brasil. Pensando nisso o North News, resolveu dar voz as mamães para contarem as suas perspectivas. Confira a seguir a opinião de 7 mães que vivem em Toronto, Ontario para falar sobre as dificuldades, temas importantes e variados, que fazem parte da realidade das mamães que moram em solo canadense.
Daycare
Ana Cristina Rodrigues de Oliveira, que vive em Toronto, e é estudante de doutorado na Universidade de Toronto pontua que a disponibilidade no daycare pode ser apontada como um problema bem sério. Além dos sistemas disponibilizados no país relacionados à maternidade serem bem específicos e ela também se atém aos problemas mais típicos da maternidade. O filho da Ana se chama Skylar e tem 1 ano e 1 mês, acabou de iniciar na creche. ‘’Eu entrei na fila do Daycare desde o comecinho da minha gravidez e demorei 1 ano para conseguir. Mas, tem, também, o fato de que os sistemas são diferentes do que a gente está acostumada. O pré-natal é difícil até a gente entender como funciona. Depois o EI maternity (Employment Insurance maternity) tem pouco valor, e eu como muitas mães, nem tive acesso. Quem é trabalhador autônomo não tem acesso por exemplo. Além disso, têm problemas que são iguais em todo lugar, e aqui não seria diferente: isolamento, falta de rede de apoio”, detalha.
“Falando na maternidade no geral, além de não ter daycare disponível, e o que tem ser super caro. No caso das mães imigrantes, a gente não sabe muito sobre o sistema, demora a entrar na fila, tem que nomear gente para buscar a criança em caso de emergência no daycare e não temos ninguém...”, descreve Ana alguns dos percalços que as mães passam em seu dia a dia.
Ana, também, relata que até mesmo as educadoras do baby club recomendam que as mães estendam a licença maternidade porque todos sabem que não tem vaga na creche. “Eu ia voltar em janeiro mas posterguei a licença até setembro. Agora veio a vaga do daycare, mas enfim já tive que mudar a carreira por isso”, menciona.
Lays Marques que vive no Canadá há 8 anos, e é mãe de Clara, de 3 anos, comenta que há bastante desafios na maternidade no país, apesar de ser muito benéfico, obviamente existem dificuldades. Ela também pontua a creche como um dos fatores críticos. “O custo com a daycare também, que não é tão barato, mesmo que hoje o governo tem políticas para deixar a creche mais acessível, mesmo assim as vagas são limitadas, é necessário entrar em um waiting list, muitas mães acabam entrando 1 ano antes de colocar o seu filho, tem que programar. Às vezes a mãe está grávida e já está colocando o nome na lista de espera e o custo que acaba impactando no lado financeiro da família. A Clara no início da creche ficava muito doentinha no primeiro ano, já que ela estava construindo a imunidade, acaba pegando muito vírus, e a mãe que trabalha fora não tem com quem deixar a criança, isso se torna um dilema, muitas vezes você vai precisar faltar mais no seu trabalho para cuidar do filho”, conta.
Vida pessoal/profissional/social e o ambiente externo
Mais um aspecto levantado pela Lays é o de conciliar a vida pessoal/profissional/social com a maternidade. “A gente acaba fazendo muita coisa sozinha no Canadá, então equilibrar tudo: o cuidado com o seu lar, trabalhar fora, ter um casamento, ter o seu cuidado pessoal, ter suas amizades, tudo isso é difícil. Equilibrar tanta coisa, isso tudo com o principal que é o cuidado com o seu filho, que é uma demanda muito grande, é desafiador”.
O frio é um ponto que a Lays cita como um dificultador. “Outra coisa é o frio não só em relação à maternidade, já é difícil para todos, mas quando você tem um bebê, uma criança muito pequena pode ser mais cansativo, porque praticamente não tem como sair para atividades externas, não dá para levar seu filho no parquinho, por exemplo. E é um período muito longo, você acaba que tem que ficar muito em casa, pode até pegar um ônibus, mas quando se tem um bebê, uma criança, isso exige muito planejamento, tem que levar carrinho, bolsa... E essa canseira toda faz você desistir, optando por ficar em casa, e isso pode afetar a sua saúde mental, porque você fica muito em seu lar, acaba sendo muito solitário”, detalha.
Ana Cristina Rodrigues de Oliveira também considera a falta de acessibilidade dos metrôs de Toronto um aspecto crítico. “Metade das estações não tem elevador e as que possuem quebram com frequência. É difícil ser mãe sem carro”, afirma.
Outro aspecto que a Lays menciona dentro da sua realidade tem relação com a saúde no Canadá. “Eu sinto muita falta do tratamento dos pediatras que temos no Brasil. Eu acho aqui mais desafiador porque o atendimento é muito rápido e frio. Esse acompanhamento mais acolhedor e minucioso faz falta. Aqui eles são muito diretos, não têm muitas explicações ou aquela abordagem mais calorosa, parece muito técnica e é desafiador”, finaliza.
Perder momentos especiais com a família no Brasil
Outra questão abordada por Lays é estar longe da sua rede de apoio e perder parte importante do convívio familiar no seu país de origem. “Um dos maiores desafios é estar longe dos nossos familiares, já é difícil por si só estar longe das pessoas que amamos e quando se tem filho mais ainda, você sente não só pela relação- aquela proximidade- que você quer que seu filho tenha com os avós, tios e primos, mas também nos momentos de apoio, por exemplo ter uma vó próxima seria de uma ajuda imensa em situações mais críticas, onde a mãe precisa faltar ao trabalho pois não tem com quem deixar o filho, nessas horas contamos mais com a mãe ou com a sogra, ou um irmão próximo que pode lhe acolher. Ter alguém de mais confiança da sua família por perto isso faz muita falta e aqui precisamos lidar com tudo basicamente sozinhas, só com a ajuda do parceiro”, exemplifica.
Juliana Lacerda tem dois filhos, o Theo, de 16 anos e o Benjamin, de 14 anos. Ela chegou ao Canadá há cerca de 12 meses. Ela comenta que a adaptação e a falta de convívio familiar com os parentes do Brasil foram alguns dos pontos mais complicados.
“Meus filhos Theo e Benjamin, sem dúvida, foram os meus maiores incentivos para tomar a decisão de sair do Brasil e imigrar para o Canadá. Em busca de uma adolescência com mais liberdade e um futuro com mais oportunidades nos mudamos há 1 ano. Entre muitos momentos difíceis, sem dúvida os momentos mais felizes se sobrepõem! No começo, a principal preocupação foi a adaptação dos meninos a vida social e escolar. A barreira do idioma consequentemente a dificuldade em se comunicar me tirava o sono. Mas eles nos surpreenderam e passaram por essa fase brilhantemente. Isso não significa que tenha sido fácil! Passado 1 ano, a relação dos meninos com os avós, tios, primos e amigos pode ser mais frágil ou distante, mesmo com tecnologia a nosso favor. O contato físico e o convívio regular fazem falta e a falta de intimidade que a distância impõe me fragiliza. A saudade é sem dúvida um dos nossos maiores desafios. Por fim, para mim, é muito importante que o amor ao Brasil esteja sempre presente. Que eles sejam sempre muito gratos as oportunidades oferecidas pelo Canadá, queremos ficar aqui para sempre, estamos completamente apaixonados pelo país, mas que nunca se esqueçam de onde viemos”, coloca.
Before e After school e summer camp
O before e after school é o período extra que a criança fica antes e depois na escola, além do período de aula convencional. Esse programa além de ser difícil de conseguir nas escolas devido à concorrência, também possui um custo adicional alto. “Para duas crianças, eu pagava $1.000,00 mensais. No before/after school, eu deixava meus filhos na escola pela manhã às 7:15 da manhã e buscava as 5:15/5:30 da tarde a depender do trânsito. E outro programa que deixava meus filhos é o summer camp do daycare que custava mais de $1.000 para os dois”, explica Micheli Campelo.
O Summer Camp consiste em um programa de verão durante as férias escolares, geralmente as crianças passam o dia todo, das 7:15 da manhã às 6:00 da tarde, designado para crianças de 4 a 12 anos, oferecendo um mix de atividades divertidas, como esportes e jogos.
Segundo o site da cidade de Toronto, o before/after school proporciona programas antes e depois da aula para dar suporte as crianças do Kindergarten ao Grade 6, oferecendo atividade supervisionadas. Os programas estão localizados em escolas e locais comunitários que geralmente operam cinco dias na semana por certas horas antes e depois do período de aula, alguns operam durante as férias.
Micheli Campelo, que faz no dia 12 de maio 3 anos de Canadá, é mãe da Rafaela de 14 anos, Lucas de 8 anos, e Mariana de 6 anos. “No meu caso é a falta de emprego no horário da escola, o ponto crítico. Se não pagarmos o before/after school não temos como trabalhar. Eu tive que sair do meu trabalho full-time, tive que tirar meus filhos do before/after school por ser caro e passar a trabalhar part-time para ficar com eles”, relata.
“Eu tinha a intenção de tirar meus filhos só do summer camp por ser mais caro, mas aí eu e meu marido começamos a fazer as contas, e com os custos que eu tinha não valia a pena eu os manter nem no before/after school, então, eu acabei pedindo demissão e consegui um trabalho 3 x na semana só 4 horas por dia mais perto da escola, porque é o que eu posso para poder levá-los e buscá-los na escola. Mas, o salário fica pouco com o trabalho part-time, preciso de mais trabalho”, conta Micheli.
Outra mamãe relata o mesmo problema relativo ao after school. Giselle Campos descreve ao North News que tem um filho em idade escolar e a sua maior dificuldade é o after school e summer camp.”Meu landlord pediu a casa em que moro, mas não posso mudar de bairro com medo de não achar vaga no after school em outro local”, detalha.
Legislação e Políticas Publicas
Alguns benefícios que a mãe pode receber durante a licença maternidade são o Maternity Leave, o Employment Insurance Maternity e o parental benefits.
A mamãe Camila Granço, que tem duas filhas, uma de 4 anos e outra de 1 ano, acredita que a maior dificuldade é a adaptação de uma sociedade super tradicional para os conceitos e exigências da maternidade moderna. “O que eu quero dizer com isso, as leis não protegem a mãe. A começar pelo Maternity Leave- licença maternidade- com teto. Muitas mães passam a receber 30% da renda só. E depois quando o Maternity Leave acaba as Taxes do ano seguinte são bizarras para compensar a utilização do benefício. Uma vez que a mãe decide voltar a trabalhar começam as inúmeras contradições. Primeiro que ela pode ser demitida durante o Maternity Leave. Segundo que tudo é um ‘fardo’ aos olhos da sociedade. Eu quase não consegui alugar uma casa porque estava de licença maternidade. Meu empregador enviou uma carta para o landlord falando que eu ia voltar mesmo”, completa.
O Canadá continua com uma taxa de natalidade baixa em relação aos demais países. Inclusive, faz parte da lista de países com as menores taxas de fertilidade incluindo a Coreia do Sul, Espanha, Itália e Japão. Segundo dados oficiais do governo, o país vem enfrentando um declínio nos últimos 15 anos, atingindo 1.26 filho por mulher em 2023. Atualmente o Canadá possui cerca de 41.6 milhões de pessoas, de acordo com dados do Statistics Canada. Ou seja, o país ainda precisa de imigrantes tanto para auxiliar no crescimento populacional, quanto para preencher certas posições e lacunas no mercado de trabalho.
Talita Euzebio é mãe de duas crianças. Ela acredita que outro ponto frágil da maternidade no Canadá tem relação com as leis e regras voltadas à imigração no país. “É de conhecimento geral que o Canadá enfrenta uma queda nas taxas de natalidade, e que muitos cidadãos optam por não ter filhos. No entanto, não vemos políticas públicas consistentes que estimulem a natalidade — muito menos entre os imigrantes, que têm contribuído ativamente para o crescimento econômico, social e cultural do país. Acreditamos que valorizar a maternidade imigrante é valorizar o futuro do país. Afinal, os filhos de hoje serão os trabalhadores, empreendedores e líderes do amanhã”, finaliza.
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