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23/11/2023 às 07h05min - Atualizada em 23/11/2023 às 06h43min

A grave crise econômica na emergente Argentina

Paulo Galvão Júnior (1)

Paulo Galvão Jr.

Paulo Galvão Jr.

Economista, escritor, palestrante, professor de Economia no UNIESP, autor de 12 eBooks de Economia pela Editora UNIESP e Conselheiro do CORECON-PB.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Argentina tem uma população total de 46,6 milhões de habitantes, segundo o Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC), e uma dívida externa bruta de US$ 276,2 bilhões. Já a dívida bruta da Argentina já alcançou 88,4% do Produto Interno Bruto (PIB) argentino no terceiro trimestre de 2023.
 
A situação socioeconômica na Argentina é extremamente grave, já são 18,7 milhões de pobres, ou seja, 40,1% da população vive na pobreza absoluta, no primeiro semestre de 2023. Enquanto, 4,3 milhões são indigentes, ou seja, 9,3% sobrevivem como indigente nas 23 províncias (Buenos Aires, Catamarca, Chaco, Chubut, Córdoba, Corrientes, Entre Ríos, Formosa, Jujuy, La Pampa, A Rioja, Mendoza, Misiones, Neuquén, Río Negro, Salta, San Juan, San Luis, Santa Cruz, Santa Fé, Santiago del Estero, Tierra del Fuego, Tucumán) e na Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA).
 
Todavia, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Argentina é de 0,842 no ano de 2021, sendo o segundo melhor IDH da América do Sul e o 47° maior IDH do mundo, um país com IDH muito alto (acima de 0,800), e com a média de anos de estudo de 11,1 anos, conforme o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
 
Recentemente, o deputado federal Javier Milei, o candidato da coalizão liderada pelo partido La Liberdad Avanza (LLA), foi eleito o novo presidente argentino. Javier Gerardo Milei, 53 anos, é um economista formado pela Universidade de Belgrano, solteiro, fã de futebol e de rock and roll, professor de Macroeconomia e autor de nove livros, sendo eleito no segundo turno, com mais de 55% dos votos válidos.
 
Milei sabe que “Argentina es un país empobrecido”, mas, a Argentina tem recursos naturais (água, grãos, zinco, prata, petróleo e gás natural), a bela Aconcágua, gastronomia saborosa, enoturismo, e carne bovina e lã, mas, que necessita de uma ampla reforma do Estado, que há mais de 77 anos não consecutivos vem sendo direcionada por políticas peronistas desde o primeiro governo do presidente Juan Domingo Perón (1946-1955) até o atual presidente argentino Alberto Ángel Fernández (2019-2023).
 
O presente artigo apresentará uma estrutura dividida em cinco partes: considerações iniciais, situação socioeconômica na Argentina, principais propostas do presidente eleito Javier Milei, considerações finais e referências.
 
2. A SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA NA ARGENTINA

O PIB nominal da Argentina é de US$ 632,7 bilhões, é a segunda maior economia da América do Sul, atrás apenas do Brasil. E o PIB per capita é de US$ 12,9 mil no ano de 2022 (TRADING ECONOMICS, 2023).
 
A taxa de inflação anual já alcançou 142,7% no acumulado dos últimos 12 meses em outubro de 2023, o maior patamar desde agosto de 1991. E os preços dos alimentos subiram muito e a população mais pobre busca comida em lixões em meio à hiperinflação, a segunda maior inflação da América do Sul, atrás apenas da Venezuela, sendo, nos dias de hoje, a maior taxa de inflação dos 19 países membros do Grupo dos Vinte (G20).
 
A taxa de desemprego nas áreas urbanas alcançou 6,2% da população economicamente ativa (PEA) no segundo trimestre de 2023. A grave crise econômica na emergente Argentina gerou um aumento do trabalho informal e precário, em outras palavras, cresceu a uberização do trabalho, pois os trabalhadores geralmente não dispõem dos direitos trabalhistas.
 
Na Argentina a taxa de inflação mensal registrou 8,3% em outubro de 2023, mensurado pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC). E a inflação alta e descontrolada gera o aumento da pobreza (4 em cada 10 pessoas são pobres) e da extrema pobreza (2 em cada 5 pessoas são indigentes), além da perda diária do poder de compra das famílias (as geladeiras estão cada vez mais vazias e as filas mais longas nos comedores populares) em tempos de kirchnerismo.
 
E o risco-país, índice usado para medir a confiança na economia do país e calculado também pela agência de classificação de risco Moody's, que avalia as possibilidades de recuperar um investimento, atingiu Caa2 na Argentina, o grau extremamente especulativo, antes do primeiro turno. Ou seja, um risco alto de inadimplência e baixo interesse, com baixos investimentos estrangeiros diretos (IED), porque o governo do peronista Alberto Fernández gasta muito mais do que arrecada mensalmente. E o gasto fiscal elevado é devido também à impressão monetária.
 
A taxa básica de juros (Leliq) da Argentina é de 133% ao ano em outubro de 2023, a mais alta taxa de juros nominal do planeta, é o patamar mais alto dos últimos 20 anos. E o empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) encontra-se em aberto no valor de US$ 44 bilhões, e a devedora Argentina sofre a pior seca nos últimos 60 anos, além da desindustrialização desde 1976, e com sérias dificuldades de pagar ao seu maior credor, o FMI. Ressalta-se que o primeiro empréstimo do FMI a Argentina foi em dezembro de 1958, no valor de US$ 104 milhões.
 
O caos econômico vem provocando a saída de empresas estrangeiras do vasto território argentino, o fechamento de empreendimentos comerciais e turísticos, a fuga de milhares de argentinos, principalmente, os mais jovens decidem sair do país para a Espanha, Itália, Uruguai, Brasil, EUA, Canadá e Israel (antes da Guerra de Israel com o Hamas).
 
Infelizmente, já ocorreram saques em supermercados e mercearias. E o aumento da pobreza e da violência urbana é visível no oitavo maior país do mundo e no segundo maior da América do Sul, com 2.780.092 km2. É rotineiro o tráfico de drogas, de armas e de produtos contrabandeados nas fronteiras argentinas.
 
E a Argentina é a 24ª maior economia do planeta, e o PIB argentino registrou desaceleração de 4,9% no segundo trimestre de 2023, comparado ao mesmo trimestre de 2022, conforme o INDEC. E a Argentina ocupa o 75º lugar do mundo em renda per capita, com PIB per capita de US$ 12.932 no ano de 2022 (TRADING ECONOMICS, 2023).
 
3. AS PRINCIPAIS PROPOSTAS DO PRESIDENTE ELEITO JAVIER MILEI
 
As principais propostas do presidente eleito Javier Milei para “a retomada do crescimento econômico por meio de medidas como a redução do tamanho do Estado, a dolarização da economia e o fim do Banco Central” (MACHADO, 2023).
 
O economista libertário Javier Milei prometeu fechar o banco central do país, o Banco Central de la República Argentina (BCRA), com sede em Buenos Aires, e criado em 1935. Nas mídias sociais, de acordo com Javier Milei, “La locura no es cerrar el Banco Central, la locura es tenerlo. Tenemos que ajustar las cuentas públicas en vez de aumentar los impuestos para financiar a la política. Esta vez el costo lo tiene que pagar la casta. (...) El Banco Central independiente es una quimera”.
 
Millei prometeu também a dolarização da economia argentina, ou seja, o fim do peso argentino, a moeda oficial da República Argentina. Nos dias atuais, na taxa de câmbio oficial, um dólar americano é equivalente a 356 pesos argentinos. Já no câmbio paralelo, no Dólar Blue, 1 dólar estadunidense é equivalente a 1.026 pesos argentinos em 21 de novembro de 2023. É muito forte a desvalorização do peso argentino em relação ao dólar norte-americano, provocando mais de 10 tipos de câmbio diferentes em relação ao dólar oficial.
 
Logo, sem BCRA, sem peso argentino, a futura política monetária expansionista ou contracionista da Argentina dependerá exclusivamente dos Estados Unidos da América (EUA), como também, perde a autonomia da política cambial. Outra questão relevante, a falta de reservas internacionais em dólares americanos, com apenas US$ 21,2 bilhões. Todavia, a Argentina poderá reduzir a elevada inflação, aumentar o poder aquisitivo dos trabalhadores e dos aposentados, e ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida todos os argentinos.
 
E Milei também prometeu cortar gastos públicos, eliminar ministérios (exceto o Ministério da Economia, Ministério da Justiça, Ministério de Interior, Ministério da Segurança, Ministério de Defesa, Ministério de Relações Exteriores e Ministério de Infraestrutura, e criar o Ministério do Capital Humano), reduzir impostos (são 165 impostos nos dias atuais), eliminar subsídios, além de privatizar Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), Aerolíneas Argentinas, TV Publica (TVP), Agencia Nacional de Noticias (Télam), Radio Nacional Argentina e Energía Argentina Sociedade Anónima (Enarsa).
 
E ao lado da vice-presidente eleita, a advogada Victoria Villarruel, o presidente eleito Javier Milei já declarou que rejeita o ingresso da Argentina no BRICS (Brazil, Russia, India, China, and South Africa), e partir de janeiro de 2024, no BRICS Plus, com a incorporação da Argentina e mais cinco países membros, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito, e Etiópia.
 
Atualmente, o maior parceiro comercial da protecionista Argentina é a China, e o segundo parceiro é o vizinho Brasil. É preciso destacar que o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), com sede em Xangai, poderá emprestar dinheiro com juros mais baixos para a sua recuperação econômica. Todavia, algo improvável por parte do presidente eleito, que retornará as negociações mais liberais com os EUA, o Canadá, a União Europeia (UE), a Austrália, o Japão, a Coreia do Sul, e Israel, por exemplos, para iniciar a reconstrução da Argentina.
 
E outra proposta de Milei é a possível saída da Argentina do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), bloco econômico criado em 1991, logo, o Acordo MERCOSUL-UE entra em xeque-mate, porque a Argentina representa 25% do PIB do MERCOSUL.
 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Finalizando, o economista libertário Javier Milei ganhou as eleições presidenciais em 19 de novembro, nas mais disputadas da Argentina nos últimos 40 anos, derrotando nas 20 das 23 províncias e na CABA, o atual ministro da Economia, o advogado Sergio Massa. E Milei foi o presidente mais votado da Argentina, com 14,4 milhões de votos, e ele assumirá em 10 de dezembro de 2023 na Casa Rosada, em Buenos Aires, para iniciar o seu Plano de Governo 2023-2027, com oito pautas bem distintas, Reforma do Estado, Reformas Econômicas, Reforma Judicial, Capital Humano, Reformas de Segurança, Políticas de Defesa, Relações Exteriores, e Infraestrutura.
 
Provavelmente, a Argentina poderá ser a quarta nação sul-americana que dolarizou sua economia, depois do Panamá, Equador (2000) e El Salvador (2001), para controlar a elevada taxa de inflação no país. E provavelmente, poderá também extinguir o BCRA, a principal instituição financeira do país e grande responsável pelo controle e regulação do sistema financeiro argentino.
 
Portanto, o anarcocapitalista Milei é “La única solución” em 2023 “Por poner Argentina de pie” e “Para cambiar la Argentina”, logo, precisamos como economista brasileiro e sul-americano estar atento aos novos rumos da emergente Argentina entre dezembro de 2023 a dezembro de 2027, que poderão afetar as relações econômicas, comerciais e diplomáticas com o Brasil (as exportações brasileiras foram de US$ 15,3 bilhões no ano de 2022).
 
Em suma, a maioria do povo argentino reagiu democraticamente às péssimas condições socioeconômicas vigentes e, sobretudo, almeja mudanças radicais em sua qualidade de vida, por dias melhores. Enfim, a Argentina precisa sair do caos econômico e crescer o seu PIB, PIB per capita, IDH, nível de emprego, salário mínimo, e exportações. Sim, a prosperidade econômica é a grande meta da República Argentina nos próximos quatro anos.
 
REFERÊNCIAS

INDEC. Principais indicadores e índices da Argentina. Disponível em: https://www.indec.gob.ar/. Acesso em: 21 nov. 2023.
INDEC. Censo Nacional de Población, Hogares y Viviendas 2022: Indicadores demográficos, por sexo y edad. Disponível em: https://www.indec.gob.ar/ftp/cuadros/poblacion/censo2022_indicadores_demograficos.pdf . Acesso em: 21 nov. 2023.
MACHADO, Luís Alberto. A aposta dos argentinos. Disponível em: https://espacodemocratico.org.br/artigos/a-aposta-dos-argentinos/. Acesso em: 21 nov. 2023.
MILEI, Javier. Plan de Gobierno 2023-2027. Disponível em: file:///C:/Users/Ykalo/Downloads/PLAN-DE-GOBIERNO-PPT-1.pptx-1.pdf. Acesso em: 21 nov. 2023.
PNUD. The Human Development Report 2021/2022. Disponível em: https://hdr.undp.org/system/files/documents/global-report-document/hdr2021-22pdf_1.pdf. Acesso em: 21 nov. 2023.
PODER360. Real passa a valer 210 pesos argentinos; dólar sobe para 1.026 pesos. Disponível em: https://www.poder360.com.br/internacional/real-passa-a-valer-210-pesos-argentinos-dolar-sobe-para-1-026-pesos/#:~:text=O%20d%C3%B3lar%20blue%20(tamb%C3%A9m%20chamado,alta%20de%2010%2C91%25. Acesso em: 21 nov. 2023.
TRADING ECONOMICS. Argentina - PIB. Disponível em: https://pt.tradingeconomics.com/argentina/gdp. Acesso em: 21 nov. 2023.
 
(1) Economista brasileiro, professor de Economia no UNIESP, conselheiro do CORECON-PB e colunista social do Portal North News.
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