Fonte: WSCOM. Cinco anos depois do fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em dezembro de 1923, o grande escritor paraibano José Américo de Almeida, nascido no ano de 1887 em Areia, na microrregião do Brejo Paraibano, publicou a obra “A Paraíba e seus problemas”. Este livro oferece uma visão profunda dos desafios enfrentados pelo estado da Paraíba na segunda década do século XX.
O presidente da então República dos Estados Unidos do Brasil entre 28 de julho de 1919 e 15 de novembro de 1922 era o advogado paraibano Epitácio Pessoa. Enquanto o então “presidente” do estado da Paraíba era Sólon de Lucena, que governou de 22 de outubro de 1920 a 22 de outubro de 1924. O presidente Epitácio Pessoa e o governador Sólon de Lucena, ambos foram citados na obra do futuro ministro da Viação e Obras Públicas de Getúlio Vargas, de 1930 a 1934, e, posteriormente, nos anos de 1953 a 1954.
“O então “presidente” do estado, como se chamava o cargo de governador à época, Sólon Barbosa de Lucena, solicitou que fosse realizado um estudo sobre as agruras pelas quais a Paraíba passava em razão da estiagem. O trabalho foi a inspiração para a elaboração de A Paraíba e seus problemas, publicado em 1923” (TCU, 2024). Bem como destacar os investimentos governamentais em infraestrutura feitos na Paraíba pelo presidente paraibano Epitácio Pessoa, “O Homem do Norte”, como açudes, poços, barragens, pontes e estradas de rodagem.
Na moderna biblioteca do UNIESP, localizada na cidade portuária de Cabedelo, é possível ler, reler e ler de novo o livro “A Paraíba e seus problemas”, com 730 páginas. E a obra tem 14 capítulos, sendo o Capítulo I – Terra Ignota, Capítulo II – O Clima, Capítulo III – O Martírio, Capítulo IV - O Abandono, Capítulo V – O Homem do Norte, Capítulo VI – A Redenção, Capítulo VII – O Problema das Distâncias, Capítulo VIII – Política Hidráulica, Capítulo IX – O Porto, Capítulo X – O Saneamento, Capítulo XI – A Ação Dispersa, Capítulo XII – Consequências Sociais, Capítulo XIII – Consequências Econômicas, e, finalmente, o Capítulo XIV – Impressão Geral.
Recentemente, foi divulgado na mídia, que a Paraíba tem a menor taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por estado brasileiro no ano de 2023, apenas 1,2%. É muito preocupante o baixo crescimento econômico da Paraíba aliado ao pior Índice de Gini do Brasil e o segundo menor PIB per capita do país.
Portanto, motivos não faltam para estudar os principais problemas analisados na centenária obra de José Américo de Almeida, o fundador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em 1955 e o segundo reitor entre dezembro de 1956 a abril de 1957.
O poliglota José Américo de Almeida, na época com 36 anos de idade, parte do primeiro registro oficial das secas na Paraíba, ainda no século XVII. Ele explora as misérias causadas pelas secas, descrevendo cenas impactantes, como a procissão de corpos quase nus e fantasmagóricos durante a Seca de 1877.
O livro não se limita apenas a discutir as secas. Ele também aborda questões importantes relacionadas às despesas públicas, geografia, História e à vida humana na Paraíba. Por exemplo, José Américo apresenta figuras como o gestor público niteroiense Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire-Rohan, que presidiu a Província da Paraíba, entre 3 de setembro de 1857 a 4 de junho de 1859, e o francês Jacques Brunet, que fez o primeiro mapa corográfico do estado e descobriu o talento do jovem Pedro Américo, um dos maiores pintores do Brasil.
De acordo com José Américo de Almeida (1980, p. 56), “O general Beaurepaire Rohan, a maior estrutura de cientista e administrador que já passou pelos destinos públicos locais, escreveu, nos lazeres de seu governo, a “Corografia da Província da Paraíba do Norte”. Mas esse livro só foi dado a lume em 1911 quando Frederico Cavalcanti o extraiu do autógrafo que jazia na Biblioteca Nacional”.
“O Estado da Paraíba está situado na parte mais oriental do nordeste do Brasil e, por conseguinte, no ponto mais próximo do continente europeu” (Almeida, 1980, p. 60). Quando o autor publicou o livro, a região não era denominada Nordeste, mas, sim, Norte. A capital da província e depois do estado era Parahyba, e não, João Pessoa.
O advogado nordestino José Américo de Almeida foi o principal líder civil da Revolução de 1930, na região Norte, após o assassinato do presidente paraibano João Pessoa na capital pernambucana. A Revolução de 1930 foi um importante evento político-militar ocorrido no Brasil, que resultou na deposição do presidente Washington Luís e no fim da República Velha, marcando o início da Era Vargas (1930-1945). E a Revolução de 30 foi liderada por diversos políticos e militares descontentes com a situação política, social e econômica do país, incluindo o advogado gaúcho Getúlio Vargas, que se tornaria o maior líder do Brasil. Outro líder da Revolução de 1930 foi o tenente cearense Juarez Távora.
Posteriormente, o renomado escritor paraibano, na época Procurador Geral do Estado, ele enfatizou: “A Paraíba é rica de produtos minerais inexplorados” (Almeida, 1980, p. 106). No estado da Paraíba há uma grande variedade de produtos minerais que ainda não foram totalmente explorados como ilmenita, zirconita, calcário e outros minerais.
A extração de ilmenita é expressiva no município de Mataraca e a ilmenita é uma fonte importante de titânio e tem várias aplicações industriais. E a Paraíba possui jazidas de zirconita, um mineral utilizado em cerâmicas, refratários e na indústria química. Já o calcário é amplamente utilizado na produção de cimento e como corretivo de solo na agricultura e sua extração contribui para a economia local.
A Paraíba tem jazidas de fosforita, tungstênio, colombita, bentonita, berilo e cassiterita. No território paraibano esses minerais representam um potencial para o crescimento do PIB estadual. Investimentos em pesquisa mineral têm revelado novas reservas, melhorando a posição da Paraíba no cenário nacional. É fundamental explorar esses recursos minerais que têm diversas aplicações industriais de forma sustentável.
“As primeiras observações pluviométricas da Inspetoria de Obras Contra as Secas, em nosso estado, datam de 1910” (Almeida, 1980, p. 115). A Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) foi um órgão governamental criado em 1909, durante a República Velha, com o objetivo de combater os efeitos das secas no nordeste do Brasil. Sua criação foi uma resposta à necessidade de lidar com os graves impactos sociais, econômicos e ambientais das secas recorrentes na região.
No Capítulo III o autor cita: “As secas têm sido, precipuamente, responsáveis, em seus ciclos mortais, pelo retardamento de nossa organização social e econômica” (Almeida, 1980, p. 161). As secas levam a escassez de água, o deslocamento populacional, ao empobrecimento da economia local, e a sérios impactos ambientais como a desertificação, a erosão do solo e a perda de biodiversidade.
No Capítulo VII o autor paraibano destacou que: “Os modernos economistas salientam a função dos meios de transporte e, notadamente, do caminho de ferro no desenvolvimento dos países novos” (Almeida, 1980, p. 341). Passados cem anos, os paraibanos não podem pegar o trem de passageiros em João Pessoa e viajar a passeio turístico para a terra natal do maior economista brasileiro de todos os tempos ou para a terra natal do maior romancista paraibano de todos os tempos.
“E a Paraíba ficou, longos anos, reduzida a essa viação de 144 quilômetros: 118 de Cabedelo a Guarabira e 26 de Entroncamento ao Pilar” (Almeida, 1980, p. 347). A economia paraibana da primeira metade do século XX era baseada na agricultura de subsistência e na pecuária extensiva, com comércio dependente de exportações, sem indústrias de transformação e carente de serviços públicos de qualidade.
"A Paraíba e seus problemas" do ex-governador da Paraíba José Américo de Almeida é uma obra que oferece uma visão abrangente dos desafios enfrentados pelo estado no início do século XX. Com seus 14 capítulos, o livro aborda uma variedade de temas, desde questões geográficas e climáticas até análises políticas, sociais e econômicas, destacando especialmente os impactos das secas no território paraibano.
Além de abordar as secas, os flagelados da seca, a fome, os cangaceiros, os fazendeiros, a obra do ex-senador paraibano José Américo de Almeida também discute a situação socioeconômica paraibana. É lamentável que mesmo cem anos depois, ainda existam pessoas enfrentando analfabetismo, pobreza, miséria, desemprego, falta de comida, falta de moradia e falta de terra na Paraíba.
Essas questões profundamente arraigadas têm raízes complexas que incluem desigualdade econômica, falta de acesso à educação de qualidade, desigualdade de oportunidades, políticas públicas inadequadas e outros fatores socioeconômicos.
Ao longo dos capítulos, o autor analisa o impacto das secas na organização socioeconômica da Paraíba, bem como a importância dos meios de transporte, como o transporte ferroviário, para o crescimento econômico do estado. Ele descreve uma economia baseada no algodão, cana-de-açúcar, sisal e pecuária de corte e leiteira.
Em conclusão, o legado da obra de José Américo de Almeida é inegável e "A Paraíba e seus problemas" continua relevante como um testemunho da riqueza e das dificuldades socioeconômicas enfrentadas pelo estado no século XX e seus impactos continuam a ressoar até os dias atuais, em plena Quarta Revolução Industrial.
O brejeiro José Américo de Almeida é autor de 13 obras desde 1922, “A Paraíba e seus problemas” é a segunda obra, e a sua última obra em vida é “Antes que me esqueça”, de 1976, quatro anos antes da sua morte aos 93 anos em João Pessoa. Não podemos esquecer sua relevante frase: “Porque não há na Paraíba um só palmo de terra imprestável” (Almeida, 1980, p.110-111). Em 1920 eram 961.106 habitantes (hab.) distribuídos em 39 municípios, crescendo em progressão geométrica, para 3,9 milhões de hab. em 223 municípios no ano de 2022, e a miscigenada população paraibana não cessou as gritantes desigualdades socioeconômicas.
Em resumo, as reflexões socioeconômicas da obra "A Paraíba e seus problemas" oferecem uma visão abrangente dos desafios enfrentados pelo estado no início do século XX, destacando a interação complexa entre problemas climáticos, econômicos e sociais. Essa análise historiográfica estadual profunda continua a ser relevante para compreender a realidade contemporânea da Paraíba, assim como para orientar futuros esforços para o seu desenvolvimento sustentável a longo prazo. Lembrando, que cinco anos depois, o renomado escritor José Américo de Almeida (1887-1980) publicaria a sua obra-prima, “A Bagaceira”, de 1928, um romance considerado um marco inicial da literatura regionalista brasileira e da segunda fase do Modernismo.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, José Américo de.
A Paraíba e seus problemas. 3ª. ed. João Pessoa: A UNIÃO, 1980.
TCU.
Min José Américo de Almeida (1935-1951). Disponível em:
https://portal.tcu.gov.br/centro-cultural-tcu/museu-do-tribunal-de-contas-da-uniao/tcu-a-evolucao-do-controle/min-jose-americo-de-almeida-1935-1951.htm. Acesso em: 20 mar. 2024.
(*) Economista brasileiro, formado pela UFPB (1998), especialista em Gestão de RH pela UNINTER (2009), professor de Economia no UNIESP, conselheiro efetivo do CORECON-PB, sócio efetivo do Fórum Celso Furtado de Desenvolvimento da Paraíba, autor de 12 e-books de Economia pela Editora UNIESP, autor e co-autor de centenas de artigos de Economia. Apresentador do Programa Economia em Alta na Rádio Alta Potência. WhatsApp: 55 (83) 98122-7221.