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02/12/2024 às 11h48min - Atualizada em 02/12/2024 às 11h44min

Um Pacote Fiscal Restritivo ou uma Bomba-Relógio no Brasil?

Paulo Galvão Júnior (1)

Paulo Galvão Júnior

Paulo Galvão Júnior

Economista paraibano, autor de 18 e-Books de Economia, conselheiro do CORECON-PB e diretor secretário do Fórum Celso Furtado de Desenvolvimento da PB.

Fonte: Rádio Correio 98.3 FM.
Considerações Iniciais

Estimado/a leitor/a do Portal North News, no dia 28 de novembro de 2024, como economista paraibano participei de entrevistas sobre o Pacote Fiscal do Governo Federal que pretende economizar R$ 71,9 bilhões no Brasil, no biênio 2025-2026, primeiro, na Rádio Correio 98.3 FM, no programa “Correio Debate”, com os estimados apresentadores Lázaro Farias e Fábio Araújo, com a presença da estimada repórter Sandra Macedo, depois, na Rádio Líder 100.5 FM, no programa “Ó Paraíba Boa”, com os estimados apresentadores Ângelo Medeiros e João Costa, na capital paraibana.
 
O Brasil presenciou em 27 de novembro de 2024, o anúncio oficial de um Pacote Fiscal pelo Governo Federal, suscitando reações que oscilaram entre a euforia e a perplexidade. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que é advogado paulista e não economista, ele foi bastante enfático no seu pronunciamento à nação brasileira de mais de sete minutos: “Queridos brasileiros e queridas brasileiras, boa noite! (...) Hoje, temos sinais claros que estamos no caminho certo. O Brasil não apenas recuperou o tempo e o espaço perdidos, mas voltou a ocupar seu lugar de destaque no mundo entre as dez maiores economias”.
 
Análises do Pacote Fiscal

Hoje, o Brasil é a nona maior economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) nominal de US$ 2,17 trilhões em 2023, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas, na primeira análise do pacote de corte de gastos públicos, eu penso que o Fernando Haddad tirou a gravata verde e amarela de ministro da Fazenda e colocou a gravata vermelha de candidato à presidência do Brasil nas eleições de 2026. Os seus adversários políticos apontam como um “novo engodo” do desgoverno Lula, enquanto, os seus aliados políticos afirmam como um “caminho certo” do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva, no terceiro mandato presidencial não consecutivo.
 
Por outro lado, pelo critério do PIB per capita, PIB nominal dividido pela população total, a renda per capita do Brasil é 76ª nação mais rica do muno, com PIB per capita de US$ 11.352 em 2023, de acordo com o FMI. No Pacote de Ajuste Fiscal apresentado em Brasília não há cortes imediatos dos gastos públicos, mas, sim a redução do ritmo de crescimento dos gastos governamentais que deverá economizar R$ 71,9 bilhões nos próximos dois anos, sendo R$ 30,6 bilhões (42,56% do total) em 2025 e R$ 41,3 bilhões (57,44% do total) no ano de 2026.
 
Entretanto, sua repercussão inicial não foi nada positiva. Pela primeira vez na história da economia brasileira, o dólar americano chegou a R$ 6,00 às 11h28 e fechou a R$ 5,99 em 28 de novembro. Essa taxa de câmbio elevada traz vantagens aos exportadores, que lucram mais com commodities agrícolas, mas, prejudica os importadores, como no caso do aumento dos custos de fertilizantes, de trigo ou de máquinas para o agronegócio. No mercado financeiro, o índice Bovespa caiu, encerrando o pregão em 124.531 pontos em 28 de novembro. Sim, Brasil, Bolsa, Balcão (BBB), localizada em São Paulo, reagiu negativamente ao Pacote Fiscal ao considerar difuso e incerto. O mercado especulou após o anúncio oficial do Pacote Fiscal pelo ministro Fernando Haddad.
 
Os "Fernandos" e seus Impactos na Economia Brasileira

O ministro Fernando Haddad ao anunciar o Pacote Fiscal em 27 de novembro de 2024 junta-se à lista de "Fernandos" que marcaram a economia brasileira. Em 16 de março de 1990, o ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), economista carioca, foi responsável ao lado da ministra da Economia, a economista paulista Zélia Cardoso de Mello, sua prima que lançou o desastroso Plano Collor, com recessão econômica de 4,3% naquele ano. O objetivo principal era eliminar a hiperinflação em um só tiro, mas, revelou-se um verdadeiro fracasso.
 
Já Fernando Henrique Cardoso (FHC), sociólogo fluminense e ex-ministro da Fazenda, foi um dos idealizadores do Plano Real, implementado em 1994, com três etapas, e foi lançado oficialmente pelo presidente Itamar Franco e o ministro da Fazenda Rubens Ricupero, em 1 de julho de 1994, e que estabilizou a economia brasileira. O Plano Real levou FHC (1995-2003) à presidência por dois mandatos consecutivos. A taxa de inflação caiu drasticamente de 2.477,15% em 1993 para 1,66% em 1998, mensurada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o sucesso extraordinário do Plano Real.
 
Após 30 anos do Plano Real, agora, em 27 de novembro de 2024, o ministro Fernando Haddad apresenta um pacote fiscal de viés contracionista, com medidas econômicas para reduzir as despesas obrigatórias (servidores, aposentados, pensionistas, abono salarial, seguro-desemprego, benefícios previdenciários, benefícios assistenciais, serviço da dívida pública, vinculações constitucionais e outras obrigações) e não altera as despesas discricionárias (investimentos públicos, custeio administrativo, programas e projetos prioritários e transferências voluntárias) para economizar R$ 71,9 bilhões, e conter a elevada dívida pública bruta, que atingiu R$ 8,93 trilhões em setembro de 2024, agora, aumentou para R$ 9,0 trilhões em outubro, segundo o Banco Central do Brasil (BACEN).
 
As Principais Medidas Econômicas do Pacote Fiscal

Entre as principais medidas econômicas do Pacote Fiscal, destacam-se:
 
1. Nova regra de reajuste do salário mínimo (SM) será limitada a 2,5% ao ano mais o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até novembro do ano anterior. O salário mínimo, atualmente em R$ 1.412,00 passará para R$ 1.515,00 em janeiro de 2025, um aumento nominal de R$ 103,00 (7,29%). Em termos práticos, o que se pode comprar hoje com R$ 103,00 no supermercado? Nove quilos de maçãs nacionais ou uma cachaça Matuta rótulo preto, dependendo das prioridades. A regra atual é o INPC mais o PIB de 2023 (2,9%) resultando no SM de R$ 1.521,00;

2. Isentar Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) para quem ganhar até R$ 5 mil por mês (R$ 60 mil por ano) e terá impacto de reduzir R$ 35 bilhões anuais a partir de 1 de janeiro de 2026. Basicamente, atingirá 36,0 milhões de pessoas físicas com Cadastro de Pessoa Física (CPF) da Classe D, ou seja, recebem entre 2 salários mínimos (SMs) e 4 SMs por mês;

3. Criação de novas faixas de impostos, de 10%, para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês (R$ 600 mil por ano). Basicamente, atingirá as pessoas físicas com CPF da Classe A, ou seja, ganham acima de 20 SMs por mês. Com a finalidade de aumentar a arrecadação tributária dos super-ricos em 2026, mas também de prevalecer o princípio da neutralidade fiscal. Ou seja, ser mais progressiva, de modo que quem ganha menos pague menos, e quem ganha mais pague mais. O Brasil tem 69 bilionários e encontra-se em sétimo lugar com mais bilionários no mundo, segundo a Revista Forbes;

4. Idade mínima de 55 anos para militares entrarem na reserva;

5. Limite para transferências de pensões militares. Extingue a transferência de pensão. Acaba com a morte fictícia;

6. Abono salarial restrito a quem ganha até R$ 2.640,00, corrigido pela inflação até atingir 1,5 salário mínimo em dez anos. Basicamente, atingirá as pessoas físicas com CPF da Classe E, ou seja, ganham até 2 SMs por mês;

7. Limitação de super-salários no setor público, particularmente, da Justiça Federal para corrigir brechas na legislação sobre os salários ao teto constitucional;

8. Ampliação da política de proteção dos recursos do Benefício de Prestação Continuada (BPC), de modo que o benefício seja rigorosamente destinada a quem precisa e dentro do que determina a Constituição Federal de 1988. Será combatida a "indústria" criada em torno desse benefício assistencial, em outras palavras, como obter a concessão sem perícia médica, por exemplo. Evitar fraudes e distorções;
 
Mudança na regra de salário mínimo limitará o ritmo de crescimento do salário mínimo nos próximos anos, o que reduzirá o valor pago em aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais como o BPC. Gastos de quase R$ 110 bilhões nos últimos 12 meses acumulados até setembro de 2024, segundo o Tesouro Nacional.
 
É preciso destacar também que o Governo Federal planeja utilizar a biometria no BPC e no Programa Bolsa Família (PBF), além de restrição para municípios com percentual de famílias unipessoais acima do disposto em regulamento do PBF.
 
Aposentados, pensionistas e beneficiados por programas sociais vinculados ao salário mínimo, como o BPC, devem arcar com a maior parte do corte de gastos anunciados em Brasília. Além disso, mudanças no BPC visam restringir fraudes e assegurar que apenas quem realmente precisa receba o benefício. Acontecerá uma obrigatória atualização de cadastro do BPC após dois anos ou sem doença definida, além de novos critérios de renda familiar.
 
A previsão de cortes de R$ 11,9 bilhões no salário mínimo. Serão cortes de aumento do salário mínimo que não serão concedidos aos aposentados, pensionistas e beneficiados do BPC. O salário mínimo real terá ganhos bem menores. A Faria Lima pressionou tanto o Governo Lula por redução dos gastos públicos e não haverá taxação de dividendos nem de lucros. “Menos impostos, mais dinheiro no bolso”, ressaltou o ministro Fernando Haddad na mídia nacional.
 
O Brasil e o Sonho de Ingressar na Seleta Lista dos Países Desenvolvidos

Eu comecei a estudar Economia a partir de 9 de novembro de 1989, com a queda do Muro de Berlim. Já são 35 anos de leitura de Economia. Em novembro de 1989 as reservas internacionais do Brasil eram de US$ 6,0 bilhões. Em outubro de 2024, as reservas internacionais alcançaram US$ 366,1 bilhões, é a sétima maior reserva cambial no mundo, de acordo com o Banco Central do Brasil (BACEN). As reservas cambiais são compostas por 80,0% de dólares americanos, 5,2% de euros, 4,8% de yuans, 3,6% de libras, 2,6% de ouro e 3,8% de outras moedas como iene japonês.
 
O mesmo BACEN é o grande responsável pela terceira maior taxa de juros real do mundo, com 8,08% ao ano, atrás da Turquia (15,18%) e da Rússia (12,19%), segundo a MoneYou. A taxa de juros básica da economia brasileira é de 11,75% ao ano. A taxa de juros nominais do Brasil é a quarta maior do planeta, atrás da Turquia (50,00%), Argentina (35,00%) e Rússia (21,00%), de acordo com a MoneYou. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) a taxa Selic foi fixada em 11,75% ao ano. O BACEN no último Relatório Focus projeta uma taxa Selic de 11,75% ao ano em dezembro de 2024 e de 12,63% ao ano em dezembro de 2025.
 
O Pacote Fiscal reflete a tentativa de equilibrar as contas públicas, mas levanta questões sobre seus impactos econômicos e sociais. A elevada dívida pública brasileira, o desafio da distribuição de renda, a taxa Selic alta e as desigualdades regionais e sociais continuam sendo entraves ao desenvolvimento sustentável. A Paraíba, por exemplo, é o estado mais desigual do Brasil, com um Índice de Gini de 0,558. A divisão de classes econômicas é um reflexo direto dessa elevada desigualdade econômica:
 
Classe A: Acima de 20 salários mínimos (SMs), ou seja, acima de R$ 28.240,00 por mês (3% da população brasileira);
Classe B: Entre 10 SMs e 20 SMs, ou seja, entre R$ 14.120,00 e R$ 28.240,00 por mês (23% da população total);
Classe C: Entre 4 SMs e 10 SMs, ou seja, entre R$ 5.648,00 e R$ 14.120,00 por mês (48% da população total);
Classe D: Entre 2 SMs e 4 SMs, ou seja, entre R$ 2.824,00 e R$ 5.648,00 por mês (20% da população total);
Classe E: Até 2 SMs, ou seja, até R$ 2.824,00 por mês (6% da população total).
 
A Classe Média brasileira está muito preocupada com o Pacote Fiscal. É essencial que o Congresso Nacional analise cuidadosamente as propostas econômicas, antes da aprovação ou rejeição na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, em Brasília, porque sonhamos com um Brasil próspero, justo e sustentável, um país de economia avançada, de renda per capita alta e de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito alto, mas, a realidade nos coloca entre os vinte países mais desiguais do mundo.
 
Atualmente, o Celeiro do Mundo é a China, o maior parceiro comercial do Brasil e a segunda maior economia do mundo, com um PIB nominal de US$ 17,7 trilhões em 2023, conforme o FMI. Recentemente, a República Popular da China inaugurou a maior ponte do mundo, com 164,8 km de extensão sob o Rio Yangtzé. Mas, o potencial econômico do Brasil é conquistar essa posição nos próximos anos, já somos o maior exportador mundial de açúcar, café, etanol, soja, milho, algodão, suco de laranja concentrado e congelado, celulose, carne bovina e carne de frango, mas, depende de transformar terras improdutivas em terras produtivas de alimentos, como na região Nordeste, com a fruticultura irrigada e a produção de grãos como milho, arroz, através da Transposição do Rio São Francisco.
 
Considerações Finais

Finalizando, o Pacote Fiscal de Fernando Haddad será um sucesso ou um fracasso no Brasil, apenas o tempo dirá se as medidas econômicas restritivas trarão os frutos positivos esperados ou se serão uma bomba-relógio para 2026. “O ministro soltou a bomba a partir de ontem à noite” como enfatizou a repórter Sandra Macedo do programa “Correio Debate”. Lembrando ao estimado leitor dos nove países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que já tivemos resultados negativos com outro Fernando, e resultados positivos, com outro Fernando.
 
Atualmente, é necessário enfrentar desafios econômicos críticos no Brasil. É urgente controlar o déficit primário, em R$ 35,9 bilhões em 2023, de acordo com dados do Tesouro Nacional. Paralelamente, é fundamental conter o avanço do IPCA, que acumulou 4,76% nos últimos 12 meses até outubro de 2024, segundo o IBGE. Outro ponto crucial é a redução do número de inadimplentes no país, que já alcança 72,6 milhões de pessoas em setembro de 2024, de acordo com a SERASA.
 
Finalmente, últimas palavras para destacar que Pacote Fiscal provocará resultados como o equilíbrio macroeconômico com responsabilidade fiscal ou o desequilíbrio macroeconômico sem responsabilidade fiscal. Faço votos de que o Brasil, guiado pelo governo Lula em Brasília ou por futuras e novas lideranças, consiga trilhar o caminho para ingressar no seleto grupo de nações desenvolvidas, como o Canadá.
 
(1) Economista brasileiro. WhatsApp: 55 (83) 98122-7221. Autor do novo e-book “A Importância do Canadá no G7 e G20”: https://paulogalvaojunior.com.br/canada/
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